por Julio Lemos
As sociedades modernas – pensemos por exemplo na canadense –, altamente diferenciadas e complexas, estão divididas em inúmeros compartimentos: de corporações e instituições públicas a pubs irlandeses e casas de strip-tease, passando pelos cada vez mais raros “lares” nos quais habitam as… famílias, ou o que quer que seja.
Se essa rápida descrição é insuficiente para dar uma idéia da complexidade moderna, ao menos basta para nos levar à conclusão de que nela não há espaço para os “grandes homens”. As razões para isso? Bem, talvez possamos dizer simplesmente que as pessoas não têm idéia do que é um “grande homem” e portanto não sabem por onde começar.
Para Aristóteles – e então voltamos para a Atenas do séc. V a.C. –, um homem que conseguisse unir na prática um ideal de excelência pessoal a uma ação marcante na sociedade civil, mesmo que isso se limitasse a uma influência quase imperceptível sobre os demais homens do seu tempo e espaço – esse homem seria grande.
A pergunta então seria: podemos imaginar um homem magnânimo vivendo no século XXI?
O exemplo dado por Aristóteles é o próprio Sócrates. Mas Sócrates habita um contexto muito distinto do nosso. Não podemos imaginar algo como uma figura “togata” (de toga…) nas ruas de Montréal; isso seria ridículo. Poderíamos dirigir a esse homem hipotético a acusação feita por um personagem de Bernard Shaw em Pigmaleão: “você é um insulto à nossa arquitetura”.
As virtudes são encarnadas num contexto concreto, por uma pessoa determinada, com um nome e uma história de vida particular. Esse contexto pode ser entendido se pensamos no nosso próprio entorno público-privado: nossa família, amigos, instituições que nos influenciam. Se pensamos em nós e na nossa própria situação, o nosso contexto está dado. E a compreensão do que seria um contexto para os outros (na e fora da nossa época e espaço) nos vem imediatamente, e assim podemos aplicá-lo a qualquer pessoa. Cada uma com o seu.
O caminho para a magnanimidade é muito simples: basta imbuir-se seriamente de histórias cheias de homens interessantes e que pensam “grande”, e logo logo estaremos pensando e agindo como eles. E só então poderemos ser grandes dentro das nossas circunstâncias pessoais.
Resolvo o primeiro problema: o das sociedades modernas. Não importa a complexidade na qual estamos inseridos. O modo de atuar do homem continua, essencialmente, o mesmo. Nos comunicamos por meio de uma língua corrente; lemos livros; e, mais importante, conversamos com as pessoas. E ainda temos acesso a um banco de dados imenso de histórias sobre as virtudes mais diversas (o nome disso é “civilização”); todos esses exemplos estão aí para serem imitados, sem medo do politicamente correto e da mediocridade.
É por isso que, vez ou outra, surgem grandes almas como Chesterton, Madre Teresa de Calcutá – veja-a cuidando de aidéticos em Nova York e terá uma idéia clara da magnanimidade, presente em alguém que talvez nunca tivesse lido Aristóteles – e Bruno Tolentino, com o qual pude conversar calmamente enquanto íamos ao… dentista.
E por que só exemplos de homens que já se foram? É a vez de parafrasear o velho Estagirita de novo: só se sabe o que um homem é depois que o ciclo da sua vida se fecha.
(foto de Misha Gardin)