do livro "Os problemas da estética", do Luigi Pareyson, uma passagem:
(...) Intimamente ligado ao problema precedente está o tão discutido problema das relações entre arte e vida. Por um lado, arte e vida foram, com frequência , intimamente ligadas e, às vezes, até identificadas. Tem-se dito que a arte acompanha toda a experiência do homem, inseparável do homem, inseparável das manifestações da vida moral política, religiosa; que reflete sempre a situação histórica em que se desenvolve, representação fiel da vida humana no momento de seu desenvolvimento; que é ela própria uma forma de vida, a primeira forma do viver humano, a infância da humanidade; que tem uma missão a cumprir na vida humana, contribuindo para a civilização, para a edificação do
regnum hominis, para a difusão dos valores expeculativos e morais, para a vida política e civil, porque, cônscia das próprias responsabilidades, canta as aspirações do homem, acompanha e decide suas lutas, promove seus ideais, educa seu espírito.
Por outro lado, a arte e a vida foram frequentemente separadas e, às vezes, até contrapostas. A arte foi entendida como uma atividade que sobrevém quando o homem já satisfez suas necessidades econômicas e cognoscitivas, resolveu os seus deveres morais e políticos, que se pode exercitar só depois que o homem construiu a sua civilização, num supremo desinteresse, e numa pura i9nutilidade, como atividade absolutamente gratuita, um fim para si mesma, satisfeita de si e intolerante quanto a funções ulteriores, puro jogo e mero deleite, ao abrigo do tumulto a das lutas da vida; pelo contrário, como evasão da vida, muro de sonhos, vôo da imaginação, luta contra o real, remédio para a inquieta operosidade humana, tiunfo da inatividade, refúgio na pura contemplação, voluntário isolamento das preocupações que afligem a humanidade nas realizações de seus ideais e no cumprimento de seus deveres.
Como é possível que a uma mesma atividade se atribuam carcterísticas tão diversas?
(...)
Mas o que importa não esquecer é que os dois aspectos são inseparáveis: se a arte pode emergir da vida, afirmando-se na sua especificação, é porque ela já está na vida inteira, que, contendo-a, prepara e prenuncia a sua especificação. E, no ato de especificar-se, ela colhe em si toda a vida, que a penetra e invade a ponto de ela poder reemergir na própria vida para nela exercitar as mais variadas funções: como a
vida penetra
na arte. assim a
arte age na vida.
Neste sentido, pode-se até dizer que
na arte empenho e jogo, adesão e distanciamento, responsabilidade e evasão, funcionalidade e gratuidade encontram-se e colaboram entre si, e, se tal colaboração e compatibilidade pode parecer misteriosa, deverse-á dizer que não é este o único aspecto paradoxal desta atividade que é, certamente, a mais complexa e enigmática das atividades humanas. (...)