10.8.08

(Na imagem desenho feito por um dos seus primeiros robôs em 2004)

(...) continuar a pintar telas com um pincel molhado em tinta ou fazer instalações em que se acumula lixo em cima de lixo a que se dá um título absurdo, é perder tempo. Ou pelo menos é continuar a viver noutro tempo que não o nosso.

A arte do século 20 morreu porque o século 20 está definitivamente morto. Agora estamos no século 21. E temos a arte do século 21

(...)

Dito isto, então onde está a diferença, a ruptura, o novo paradigma?

A arte do século 20 caracteriza-se por uma crescente afirmação do autor. Desde a abstracção que liberta a arte de qualquer representação ou referência exterior para se tornar numa coisa em si mesma, até ao gesto radical de Duchamp que se liberta do próprio objecto e estabelece o acto criativo como singular vontade do artista. “Arte é o que o artista diz que é arte” é o paradigma que domina todo o século 20. Mesmo nos casos de obras de carácter processual, o artista é sempre o centro do processo e aquele que tudo controla.

Na nova arte do século 21 as coisas não são tão claras. Estamos ainda na fase da procura e da experimentação. A melhor e mais excitante diga-se de passagem. As novas tecnologias e os novos saberes geraram uma explosão de possibilidades dando origem a muitas designações e práticas: net, digital, tech, sci, bio, robô. No meio de tanta diversidade, que alguns consideram ser para já o que melhor caracteriza a nova arte, não existe outro título senão o 21 da data, que possa congregar todas estas expressões por vezes até bastantes contraditórias nos seus processos e modelos conceptuais. A própria tecnologia não pode servir como marca diferenciadora, já que afinal um pincel também é tecnologia, ainda que muito baixa. Usar simplesmente uma nova tecnologia disponível não gera por si só uma nova arte. Pelo contrário, muitas vezes a arte é afogada pelo fascínio tecnológico, coisa que é bastante visível em muitas obras actuais.

É por isso que considero que depois da afirmação radical da obra com a abstracção, seguida da afirmação radical da autoria com Duchamp, a próxima ruptura realmente digna desse nome é a que retira o humano do processo e afirma não menos radicalmente a autonomia da criatividade em si mesma. Ou como dizia logo nos anos 40 Norbert Wiener, o pai da cibernética, “we must take the human factor out of the loop” se queremos gerar uma inteligência ou uma arte realmente autónomas.

Assim, eu já não crio directamente obras de arte, mas crio entidades, agentes, organismos capazes de produzir pelos seus próprios meios as suas obras de arte. Ou seja, em vez de fazer arte faço o artista. Nessa medida não só não domino completamente a produção e resultado da obra, como invisto todas as minhas capacidades e imaginação em gerar as condições para que essa obra possa efectivamente libertar-se da minha influência, quer através de imprevisíveis interacções sensoriais, quer por via de uma “lógica” interna assente em processos aleatórios e de emergência. É nesse contexto que posso afirmar que as obras produzidas pelos meus robôs pintores devem ser vistas como independentes da minha acção, de tal modo que adquirem uma qualidade própria a que chamo criatividade artificial por analogia com o que hoje já reconhecemos como uma inteligência artificial.

Os meus robôs não são os únicos produtores desta nova forma de arte. Existem muitos outros exemplos de obras geradas através de processos aleatórios, emergência, inteligência artificial, algoritmos genéticos, manipulação genética, ou seja, que no essencial partem dessa nova atitude de desencadear um processo criativo capaz de ganhar autonomia face a quem esteve na sua origem.

É esse o caminho da arte do século 21. E esse o novo paradigma depois de Duchamp.

por: Alessandro da Silva