13.6.08



por Fabio Malini

Objetivo da atual Internet é agregar, através de plataformas comuns, a cacofonia de milhares de vozes distribuídas em veículos da dita Web 2.0.
A profusão da riqueza da diversidade da cultura digital faz minar, a cada dia, o quase finado conceito de homogeneização, proveniente da sociedade de massa. Na verdade, se há um traço peculiar no interior da cultura digital é o fato dela nascer e se desenvolver para arrebentar, de uma vez por todas, qualquer resquício da cultura de massa. Em especial, fazer com que toda e qualquer tentativa de docilização dos corpos e mentes seja espinafrada através de mobilizações nas redes virtuais.
A internet é uma política contra o padrão e a favor da singularidade de expressões e de produções criativas, mesmo que essas expressões sejam para lá de questionáveis. Quem habita algumas comunidades virtuais do Orkut, como a Eu detesto o gosto da Novalgina ou Comunidade MSN Brasil, sabe que os sentidos produzidos nos fóruns de discussão geralmente ficam numa espécie de joguinho em que o usuário responde a indagações toscas, como "beija ou passa". Bom.... aquele sujeito mais moralista tende a condenar esse jogo semiótico como uma forma de comunicação vazia. Mas, para além de qualquer julgamento moralista, a diferença desses jogos toscos com os programas do broadcasting é que pelo menos o niilismo é produzido pelo próprio usuário em vez de atirado sobre eles.

Como ultrapassar o dilema da fragmentação

Bom, mas essa não é, para mim, a questão principal. O problema é que a diversidade digital é fragmentada. Muita gente falando, pouca gente escutando. Então temos, pelo menos na aparência, uma contradição. Por um lado, a internet produz a fissura na lógica do sentido único do broadcasting. Acaba com aquele mundo em que "líderes de opinião" falam por nós. Mas, por outro lado, se há todos falando, só há monólogo, e se há só monólogo, não há comunicação. É um Big Brother às avessas que vivemos. Uma forma de não haver entendimento e visibilidade é justamente fazer com que todos falem, mas sem canal de retorno. Assim, a profusão de blogues, podcasts, mídias sociais da Web 2.0 ou ainda sites independentes, aumentam a difusão pública de enunciados, mas não os torna comuns. Geralmente aqueles colegas jornalistas mais cínicos aproveitam essa deixa e sempre colocam o dilema: "tudo bem, há 70 milhões de blogues no mundo, mas são quase sempre pautados pelo que dizemos, ninguém ganha prestígio social se é citado por um blogueiro ou por uma publicação independente; e vamos e convenhamos, uma comunidade no Orkut com 50 mil usuários não nem faz cosquinha na televisão, com seus milhões de espectadores". A tese desses amigos cínicos é que a cultura digital é nicho. É cultura fechada, no pior sentido do termo comunidade. São mobs. Tratam-se de grupelhos com uma nanoaudiência. E só.
Essa crítica que cimenta a diversidade da cultura digital à cultura da fragmentação é repetida até pelos setores mais à esquerda da sociedade, que sonham com o eldorado das audiências de massa. Mas a diversidade é algo denso, porque trata de um conjunto de singularidades que não se resume ao Uno (o partido, o estado, o broadcasting etc). O diverso é muitos. É multidão. Daí que nosso caminho político seja agora criar a Televisão dos Muitos, a Internet dos Muitos, a Rádios dos Muitos, a Imprensa dos Muitos. Ultrapassar a fragmentação é criar plataformas onde os Muitos possam se auto-organizar, se auto-reputar, se auto-coordenar e realizar uma livre troca de saber. A questão mais difícil é que, para fazer isso, não há modelos a seguir. É preciso construí-los. Além disso, estamos no interior de um desafio de como tornar massificada a diversidade das culturas da rede sem os dispositivos da cultura de massa. Experiências como Overmundo, Digg, ou ainda Slashdot, são boas soluções já testadas e que mostram como é possível agregar aquilo que está fragmentado e expor, numa plataforma comum, a diversidade a um número maior de pessoas. Mas, a característica dessas soluções é que não há mediação da autoridade. É um auto-governo. Pensar a ampliação da diversidade é investir no auto-governo.

A cultura digital ultrapassa o Estado e o Mercado

A diversidade é produto desses Muitos. Mas, têm razão os cínicos sobre a questão da fragmentação. Uma das formas de controle da diversidade é fazer com que ela própria não crie espaços públicos de convergência de suas expressões. Sabemos que, numa sociedade do controle, o direito à invisibilidade é até um ato de resistência. Mas o que acontece dentro das redes virtuais faz parte do tecido social. Não há fora. A cultura digital é produto dos múltiplos movimentos da sociedade. Mas, não vamos supervalorizar o fato de que a rede se transformou no espaço mais importante de distribuição da diversidade cultural. Isso porque o Estado e o Mercado ainda trabalham com a lógica da escassez cultural (é a velha forma da cultura de massa de criar o valor de um bem), impedindo que a cultura floresça.
A cultura digital ultrapassa essas duas formas (o Estado e o Mercado) porque é construída para ser comum, porque quer manter a ampliação da socialização dos conhecimentos e da cultura, a partir da abundância das trocas. Trata-se aqui de um devir minoritário. Esta é a tendência, mas não a hegemonia. Para isso, precisamos propor uma agenda em que a diversidade não caía na cultura da fragmentação. Não há como avançar na preservação e multiplicação dessa diversidade sem que haja:

-O estímulo à produção de ambientes agregadores da diversidade da cultura digital, que sejam criados e administrados pelos próprios usuários.

-O estímulo à produção de mídias colaborativas em instituições de educação e cultura, no sentido de ampliar a prática de expressão escrita, audiovisual e multimídia da cultura, bem como produzir relacionamentos e redes sociais.

-Acesso à infra-estrutura de acesso universal e gratuito à internet via banda larga como política de comunicação das cidades. Isso para ampliar as possibilidades dos novos produtores de cultura disponibilizarem suas criações no universo das redes digitais.

-O estabelecimentos de encontros (na forma de seminário, barcamp, wordshop etc) para ocupar a cidade com conteúdos e linguagens provenientes da cultura digital, ao mesmo tempo, reforçando a participação social nos espaços públicos da cidade.