30.7.08

O MACACO NU Desmond Morris


INTRODUÇÃO do livro O Macaco Nu de Desmond Morris



(é a visão DELE..)

Existem atualmente cento e noventa e três espécies de ma­cacos e símios. Cento e noventa e duas delas têm o corpo co­berto de pêlos. A única exceção é um símio pelado que a si próprio se cognominou Homo sapiens. Esta insólita e próspera espécie passa grande parte do tempo a examinar as suas mais elevadas motivações, enquanto se aplica diligentemente a igno­rar as motivações fundamentais. O bicho-homem orgulha-se de possuir o maior cérebro dentre todos os primatas, mas tenta esconder que tem igualmente o maior pênis, preferindo atri­buir erradamente tal honra ao poderoso gorila. Trata-se de um símio com enormes qualidades vocais, agudo sentido de explo­ração e grande tendência a procriar, e já é mais do que tempo de examinarmos o seu comportamento básico.

Sou zoólogo e o macaco pelado é um animal. É, portanto, caça ao alcance da minha pena e recuso-me evitá-lo mais tem­po, só porque algumas das suas normas de comportamento são bastante complexas e impressionantes. A minha justificativa é que, apesar de se ter tornado tão erudito, o Homo sapiens não deixou de ser um macaco pelado e, embora tenha adquirido motivações muito requintadas, não perdeu nenhuma das mais primitivas e comezinhas. Isso causa-lhe muitas vezes certo em­baraço, mas os velhos instintos não o largaram durante milhões de anos, enquanto os mais recentes não têm mais de alguns milhares de anos — e não resta a menor esperança de que ve­nha a desembaraçar-se da herança genética que o acompa­nhou durante toda a sua evolução. Na verdade, o Homo sapiens andaria muito menos preocupado, e sentir-se-ia muito mais satisfeito, se fosse capaz de aceitar esse fato. É talvez nesse sen­tido que um zoólogo pode ajudar.

Um dos fatos mais estranhos de todos os estudos anteriores sobre o macaco pelado é a forma sistemática como evitam fo­calizar o que é evidente. Os primeiros antropologistas apressa­ram-se a vasculhar os cantos mais escondidos do mundo, pre­tendendo decifrar as verdades fundamentais sobre a nossa na­tureza e dispersando-se pelas fontes culturais mais remotas, muitas vezes atípicas e falhadas, a ponto de se terem quase extinguido. Em seguida, regressam carregados de aterradoras informações sobre os hábitos de acasalamento mais bizarros, os sistemas de parentesco mais estranhos ou os costumes tribais mais fantásticos e usam esse material para compreender o comportamento da nossa espécie, como se ele fosse da mais transcendente importância. Sem dúvida que o trabalho desses investigadores é muitíssimo importante e valioso para mostrar o que pode acontecer quando a evolução cultural de um grupo de macacos pelados o empurra para um beco sem saída. Revela mesmo até que ponto o nosso comportamento se pode desviar do normal, sem no entanto redundar num completo fracasso social. Mas nada ficamos sabendo sobre o comportamento típico dos macacos pelados mais ou menos característicos. Isso apenas se pode conseguir examinando as normas do comporta­mento habitual dos membros mais vulgares, daqueles que fo­ram mais bem sucedidos e que correspondem aos principais tipos de cultura — as principais correntes que, no seu con­junto, representam a grande maioria. Do ponto de vista bio­lógico, essa é a única forma correta de abordar o problema. Os antropologistas da velha escola argumentariam que os seus grupos tribais tecnologicamente elementares estão mais pró­ximos do fulcro da questão do que os membros das civiliza­ções mais avançadas. Não concordo. Os grupos tribais sim­ples que ainda hoje existem não são primitivos, mas estupidificados. Há muitos milhares de anos que não existem verda­deiras tribos primitivas. O macaco pelado é essencialmente uma espécie exploradora, e toda a sociedade que não foi ca­paz de avançar constitui um fracasso e "seguiu um caminho errado". Por alguma razão se manteve atrasada, algo se opôs às tendências naturais da espécie para explorar e investigar o mundo que a rodeia. É muito possível que as características que os antigos antropologistas encontraram nessas tribos sejam exatamente os fatores que impediram o respectivo progresso. Daí o grande perigo de utilizar essas informações como base para um esquema geral do comportamento da nossa espécie.

Os psiquiatras e os psicanalistas, pelo contrário, não se afas­taram tanto, concentrando-se em estudos clínicos de exem­plares mais representativos. Infelizmente, uma grande parte do seu material inicial também não é adequada, embora não sofra dos mesmos pontos fracos que as informações antropológicas. Embora os indivíduos estudados pertencessem à maioria, eram, apesar de tudo> exemplares aberrantes ou falhados. Porque, se esses indivíduos fossem saudáveis, bem sucedidos, e portanto típicos, não teriam procurado tratar-se — nem contribuído para enriquecer as informações colhidas pelos psiquiatras. In­sisto mais uma vez que não pretendo depreciar o valor desse tipo de investigação, que nos proporcionou uma visão impor­tante sobre a maneira como as nossas normas de comporta­mento podem entrar em colapso. Simplesmente, parece-me insensato sobreestimar as primeiras descobertas antropológi­cas e psiquiátricas quando se procura discutir a natureza bio­lógica fundamental do conjunto da nossa espécie.

(Devo dizer que tanto a antropologia como a psiquiatria se estão transformando rapidamente. Muitos dos modernos inves­tigadores nesses domínios começam a reconhecer as limitações dos trabalhos iniciais e dedicam-se cada vez mais ao estudo de indivíduos típicos, saudáveis. Como disse recentemente um desses cientistas: "Pusemos o carro adiante dos bois. Agarramo-nos aos anormais e só agora começamos, um pouco tar­diamente, a interessar-nos pelos normais".)

A perspectiva que me proponho utilizar neste livro baseia-se em material recolhido de três fontes principais: 1) as infor­mações sobre o nosso passado desenterradas pelos paleontó­logos e baseadas no estudo dos fósseis e de outros vestígios dos nossos antepassados miais remotos; 2) as informações exis­tentes sobre o comportamento animal que foram estudadas na etologia comparada e se baseiam em observações pormenori­zadas obtidas numa grande variedade de espécies animais, es­pecialmente naquelas com que mais nos parecemos, os maçacos e símios; 3) a informação que se pode coligir através da observação direta e simples das formas de comportamento que são mais básicas e comuns entre os representantes mais bem sucedidos do próprio macaco pelado que correspondem aos principais tipos de cultura contemporânea.

Dada a vastidão do assunto, será necessária certa simplifi­cação. Vou tentar realizá-la, passando por cima dos pormenores da tecnologia e da terminologia e concentrando sobre­tudo a atenção nos aspectos da nossa vida que encontram fá­cil correspondência noutras espécies: atividades tais como ali­mentação, limpeza, sono, luta, acasalamento e assistência aos jovens. Como reage o macaco pelado em relação a esses pro­blemas fundamentais? Quais as diferenças e semelhanças entre essas reações e as dos outros macacos e símios? Que caracte­rísticas lhes são genuinamente específicas e em que medida elas se relacionam com a história da sua evolução, verdadeira­mente especial?

Ao encarar esses problemas, avalio bem quanto me arrisco a ofender certas pessoas. Muita gente não gosta de pensar que somos animais. E podem dizer que eu avilto a nossa espécie quando a descrevo em rudes termos animais. Posso apenas afirmar que não é essa a minha intenção. Outros ofender-se-ão pelo fato de um zoólogo se intrometer nos seus campos espe­cializados. Mas admito que essa perspectiva poderá ter grande valor e que, apesar de todos os defeitos, introduzirá novos (e de certa maneira inesperados) esclarecimentos sobre a natu­reza complexa da nossa extraordinária espécie