31.8.08


A FLOR E A NÁUSEA
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.


Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.


Acordar, viver

cda (drummond)


Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.


Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?


Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?


Ninguém responde, a vida é pétrea.

29.8.08

As tecnologias criadas pelo homem determinam o ambiente em que ele vive onde, a produção é artesanal no período pré-industrial, é mecanizada e serial no período industrial mecânico e atinge a velocidade da luz no período eletro-eletrônico. Respectivamente nossa percepção foi e esta sendo estimulada pelos sensores naturais, pelos sensores mecânicos onde homem e máquina atuam simultaneamente e pelos sensores eletrônicos onde o mundo age como uma mente unicamente determinada. Ao afirmar que “O meio é a mensagem”, Mcluhan mostra que os meios de comunicação e de produção de cada momento cultural e social configuram as consciências e as experiências de cada um de nós.

O Meio é a Mensagem – Marshall McLuhan
Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem

(a) A Palavra Falada
A palavra falada envolve todos os sentidos. Ela traduz algo que ocorreu. Ela expõe o que ficou armazenado na memória. O corpo todo pode falar quando utilizamos os sentidos. O gesto, o olhar, a voz e o tato são usados juntos com a fala, enfim, o corpo todo fala quando estamos a nos comunicar. A linguagem falada é considerada a mais rica forma de comunicação humana, pois é ela que distingue o homem dos outros animais.

(b) A Escrita
A escrita registra o conhecimento fora do ser humano. Ela é uma extensão dele. O homem deixa suas marcas através dos meios de comunicação e a escrita é a base destas formas de registros. A escrita é um meio de comunicação que permite um grau de imparcialidade muito grande. Ela é uma ferramenta que usamos para a reflexão e através dela o homem organiza e estrutura o pensamento. Os meios atuais de comunicação se apresentam para afetar e modificar os valores ocidentais que quase sempre foram baseados na escrita. Como signo que é, ela registra um conhecimento e separa o autor de seu texto. Uma das principias funções da escrita é o seu desprendimento do autor depois do texto produzido.



(c) As Estradas e as Rotas do Papel
As estradas estão fundamentalmente relacionadas a escrita. As informações precisam dos meios físicos materiais para poderem ser transmitidas. As estradas sempre serviram para levar informações de um lugar para outro, através delas que o homem se comunica escrevendo suas idéias e informações no papel. A palavra comunicação tem sido muito usada em conexão com as estradas, com as pontes, com as rotas marítimas, os rios e com tudo que leva o homem de um lugar ao outro.

(d) O Número
Na antigüidade o número sempre esteve associado à magia. Ele também sempre esteve relacionado as dimensões espaciais de nosso mundo. Na verdade, em essência, o número está relacionado a medida e ao tato. Hoje ele pode ser associado ao ato de medir. Os números surgem das relações de medida que o homem tem como seu corpo. Como uma extensão do tato. O número é a relação do nosso corpo com o mundo. Ele também é relacionado a linguagem da ciência e serve para estruturar o pensamento humano, fundamentalmente porque está relacionamento com a lógica. Os números foram criados pelos homem em suas formas como signos figurativos. Eles representam visualmente o que representam em quantidade.

(e) O Vestuário
O vestuário, como extensão da pele, pode ser visto como um mecanismo de controle térmico e como um meio de definição social. O vestuário guarda nosso calor e energia individualmente e também define como somos e como pensamos. Alguns americanos estimam que uma sociedade despida consumiria em alimentação 40% mais do que uma sociedade com roupas. A relação tato e vestuário é muito forte.

(f) A Habitação
A habitação é a extensão do vestuário. Segundo o autor, criamos meios que são extensões dos homens, no primeiro momento, depois, passam a ser extensões dos meios que os precederam. Para guardar nosso calor e energia de maneira coletiva usamos a habitação que vem depois do vestuário. Cada tipo de habitação possui um significado de interpretação do espaço diferente que reflete características da sociedade na qual foi produzida, isto é, cada cultura constrói suas moradias conforme os valores que privilegia. A cultura letrada divide suas casas em vários cômodos e ambientes com funções diferentes, já as culturas tribais, que vivem mais em comunidades, moram em casas mais coletivas onde a individualidade não é um valor a ser considerado.

(g) O Dinheiro
O dinheiro é a ponte que acelera a troca e estreita os laços de interdependência entre as comunidades. A moeda substitui a troca de produtos e bens de consumo. As sociedades não letradas utilizam-se das trocas simples sem dinheiro, já nas sociedades letradas a segmentação e a linearidade da escrita ajudam a estabelecer a divisão do trabalho e com ela, a especialização das funções. O dinheiro passa a ser o principal meio de relacionamento entre as atividades produtivas desenvolvidas pela nossa cultura.


(h) Os Relógios
A possibilidade de fixar o tempo como algo que ocorre entre dois momentos diferentes modificou significativamente o ponto de vista e de referência de nossa sociedade. O relógio surge nos mosteiros medievais a partir da necessidade de estabelecer normas e regras sincronizadas para a vida dessas comunidades religiosas. No renascimento, o relógio combina-se com a uniformidade da tipografia e isso se estende para as organizações sociais. O homem criou o tempo abstrato e com isso começou a fazer atividades programas como comer quando não tinha fome, mas sim, porque estava na hora de comer.

(i) A Tipografia
As tecnologias modernas não teriam existido se não fosse a imprensa. Os projetos arquitetônicos, os mapas e a geometria estão totalmente relacionados com a possibilidade de organização do espaço visual, assim como a imprensa. A inadequação do uso da escrita e a impossibilidade de organizá-la de maneira sistemática para transmitir informação foi um entrave para o desenvolvimento das ciências na Grécia e Roma Antiga. Criar formas de armazenar a informação já é um modo de transmiti-las, pois o que está armazenado é mais fácil de ser levado de um lugar ao outro, do que o que ainda deve ser recolhido. A ciência do mundo ocidental sempre esteve na dependência da escrita. Muito antes da imprensa de Gutemberg, o homem usava a impressão para transmitir informação, através da xilogravura, da litogravura e de outros meios de reprodução

(j) As Histórias em Quadrinhos - HQ
As histórias em quadrinhos, dando continuidade a evolução da imprensa, passam a incorporar o sentido da narrativa e da continuidade, de um dia após o outro criado pelos jornais. Os textos das histórias possuem um raciocínio seqüencial e elaboram sátiras de situações diárias transformado em caricatura a coisas que ocorrem no mundo. Os primeiros livros de HQ apareceram em 1935 e não possuíam sequência, eles eram complicados de serem decifrados. As HQ’s introduzem cenas dos filmes de cinemas. Tanto as histórias em quadrinhos como os anúncios fazem parte do mundo dos jogos. Um mundo onde os modelos são prolongamentos de situações que se passam na realidade, no entanto, tratados de forma cômica através do mundo do entretenimento.



(k) A Palavra Impressa
A impressão por meio dos tipos móveis foi a primeira forma de mecanização da escrita e estabeleceu um maior grau de complexidade na mais antiga forma de comunicação artesanal. A explosão tipográfica transformou as mentes e as vozes dos homens e, assim, pode reconstituir o diálogo humano em escalas mundiais. Os meios elétricos de transmissão de informações estão alterando nossa cultura tipográfica, assim como as impressões modificaram as iluminuras - manuscritos medievais. A palavra impressa disseminou a informação de um modo assustador. Os manuscritos que inicialmente eram produzidos pelos escribas passaram a serem impressos em máquinas com velocidade muito grande. A informação, gradativamente, passava a ser acessível a qualquer um.

(l) A Roda, a Bicicleta e o Avião
Antes do aparecimento do veículo de rodas o homem utilizava o princípio da tração animal de arrasto ou através dos trenos. A roda é uma extensão de nossas pernas. As ferraduras e os arreios aumentaram o poder da força animal e ampliaram a velocidade das ações humanas. Com a roda o homem pode transportar mais depressa os produtos dos campos para as regiões ou os postos de troca. A roda é a possibilidade de dar movimento a fotografia através do cinema. As imagens fotográficas colocadas lado a lado, e executadas em um rolo de filme, mostram o homem e seu mundo em movimento.

(m) A Fotografia
A fotografia está relacionada a momentos isolados. Ela fragmenta o espaço e do tempo. Se não tivéssemos inventado a impressão, as gravuras em metal e em madeira, e o desenho com um ponto de fuga, a fotografia não teria existido aparecido. A geometria euclidiana associada ao ponto de fuga é um princípio utilizado pela máquina fotográfica para fixar a imagem. O passo fundamental da era do homem tipográfico para a era do homem gráfico foi dado pela fotografia. Ela registra um momento de felicidade ou de tristeza, uma ação congelada no tempo e a vida e a morte.

(n) A Imprensa
Os meios de comunicação impressos trazem velocidade ao nosso mundo. A medida que aumentamos a velocidade de transmissão da informação aumentamos a autonomia e o poder de decisão das pessoas. Com a imprensa nos afastamos da representação e da delegação de poderes e vamos em direção ao envolvimento de todas as comunidades no ato de decidir. Hoje o poder de relacionamento entre as pessoas e de transmitir informação é praticamente individual. Podemos dirigir informações particularizadas a cada indivíduo de nossa sociedade. O jornal é produzido para informar um grande número de pessoas.

(o) O Automóvel
Somos criaturas de quatro rodas. O carro tornou-se uma peça de roupa para nós, sem o qual nos sentimos inseguros, despidos e incompletos diante do complexo urbano que habitamos. Hoje os governantes investem muito mais em estradas e vias expressas para os carros do que em projetos sociais, de educação e saúde. Os meios de comunicação atual estão gradativamente substituindo o papel dos automóveis. É quase certo que o ato de ir e vir serão substituídos pelo ato de se comunicar, neste sentido, o carro seguirá o mesmo rumo do cavalo e, futuramente, será apenas um meio de entretenimento. A Internet já é uma realidade que faz do ato de ir e vir, em algumas situações, algo desnecessário. Antes dos Fax e da Rede Mundial de Computadores éramos obrigados a enviar fisicamente os nossos textos. Hoje, através dos meios de comunicação atual, podemos enviar texto de modo digital.






(p) Os Anúncios
Os anúncios, cada vez mais, são produzidos de modo a representar o desejo do público. No entanto, eles tendem a se afastar da imagem que o consumidor faz do produto, e cada vez mais, aproximar-se da imagem que o produtor quer transmitir. Os produtores de anúncios recebem grandes somas de dinheiro para transformar os produtos em grandes ícones. Qualquer anúncio é criado e construído sobre os alicerces testados de esteriótipos públicos ou conjunto de atitudes médias estabelecidas. A publicidade só ganhou impulso no final do século passado, graças à invenção da fotogravura. Anúncios e fotografias tornaram-se intercambiáveis. O mais importante é que os anúncios possibilitaram o aumento da circulação dos jornais e das revistas e, consequentemente, aumentaram a divulgação de informações. Hoje as fotos fazem parte necessária dos anúncios.

(q) O Jogo
Os jogos são modelos dramáticos de nossas vidas psicológicas e servem para liberar tensões particulares. A arte e os jogos nos facultam permanecer à margem das pressões rotineiras. Os jogos são extensões do homem social e do corpo político e de nossas vidas interiores. Mcluhan acreditava que os jogos são extensões de nosso “eu” particular, e que eles constituem-se de meios de comunicação. Os jogos são meios de comunicação de massa e são situações arbitrárias com a participação de muita gente. O jogo é uma máquina que começa a funcionar a partir do momento em que os participantes transformam-se em bonecos, temporariamente.

(r) O Telégrafo
O telégrafo introduz a eletricidade na comunicação. A partir de sua criação o homem está no mundo elétrico e diante da velocidade da luz. Usando um sistema de códigos baseado no sistema binário o telégrafo cria uma forma de comunicação onde as distâncias deixam de existir. Passamos a nos comunicar na velocidade da eletricidade, e, se os meios de comunicação são extensões de alguma parte do corpo humano, como afirma o autor, podemos dizer que a eletricidade é uma extensão de nossas mentes. Ela pode ser considerada como a extensão do nosso sistema nervoso central. Vivemos na era da informação e da comunicação e os meios elétricos criam redes e ambientes onde a interação ocorre de maneira total e onde todos os sentidos do homem estão sendo solicitados.

(s) A Máquina de Escrever
Em 1882, os anúncios afirmam que a máquina de escrever seria um ferramenta auxiliar do aprendizado de leitura, de escrita, de pronúncia e da pontuação. Ela ajuda o poeta na indicação exata da respiração, das pausas e das suspensões das sílabas e justaposição das palavras e frases. A máquina de escrever é a partitura dos poetas. Ela trouxe para o mundo dos negócios uma nova dimensão da uniformização, da homogeneidade e do contínuo nos textos e relatórios. A máquina de escrever levou a tecnologia de Gutenberg a todos os cantos de nossa cultura e de nossa sociedade.



(t) O Telefone
Com a invenção do telefone podemos dizer que o homem entra no período eletro-eletrônico de seus meios de produção e que temos criado uma extensão de nossa audição e de nossa voz. Se a máquina de escrever separou a mulher do seu lar, transformando-a numa especialista do escritório, o telefone levou-a definitivamente ao mundo dos executivos. O telefone exige a participação completa do homem, diferente da escrita e das páginas impressas. O homem letrado se ressente desta falta de atenção total, pois há muito está sendo habituado a fragmentação o seu mundo. Muita gente sente a necessidade de escrever ou rasbiscar quando está telefone. O telefone, assim como a fala, é caracterizado por ser um meio que exige a participação de todos os nossos sentidos e faculdades.

(u) O Fonógrafo
O fonógrafo é uma extensão e amplificação da voz que deve ter diminuído a atividade vocal individual, assim como o carro diminuiu as atividades pedestres. Ele teve sua origem no telégrafo e no telefone elétrico e não mostrou sua função elétrica, assim como o gravador de fitas. O mundo do som é totalmente unificado em suas relações imediatas, isto, torna-o semelhante ao mundo das ondas magnéticas. Também chamado de gramofone ele era considerado uma forma de escrita auditiva.

(v) O Cinema
No cinema enrolamos o mundo real num carretel para desenrolá-lo e como um tapete mágico de fantasia, ele é um casamento espetacular da velha tecnologia mecânica com o novo mundo elétrico. O cinema funde o mundo mecânico com o mundo orgânico num outro ambiente onde as formas ondulantes estão ligas a tecnologia da impressão tipográfica. Sendo uma forma de experiência não-verbal, o cinema, assim como a fotografia, é um meio de comunicação sem sintaxe. No entanto, como a fotografia, o cinema pressupõe um alto índice de cultura escrita para apreciá-lo. A audiência letrada acostumada a acompanhar as imagens impressas, linha a linha, sem por em questão a lógica da linearidade, aceita a seqüência fílmica sem protesto. Já os povos não letrados, quando um ator some da tela, podem querer saber onde ele foi.

(x) O Rádio
O poder de envolvimento do rádio é enorme e profundo. Um exemplo disso é a famosa transmissão de Orson Welles sobre a invasão marciana na Terra, que foi tão realista que as pessoas saíram correndo para as ruas, com medo dos marcianos. A imagem auditiva tinha até a pouco tempo um poder significativo na opinião das pessoas. Hoje com a televisão este poder do rádio diminuiu muito. Um dos muitos efeitos que a televisão provocou sobre o rádio foi o de transformá-lo, de um meio de entretenimento, para uma espécie de sistema de informação apenas.

(y) A Televisão
A perturbação psíquica e social criada pela imagem da TV marca profundamente a era em que vivemos. Na TV a ilusão da terceira dimensão é sugerida de leve pelo cenário do estúdio, mas a sua imagem é propriamente de um plano bidimensional. O modo de percepção ocidental sempre esteve a separar e especializar os nossos sentidos, no entanto a TV unifica os nossos sentidos. Somos obrigados a ver, ouvir e pensar simultaneamente como quando estamos a falar, porém, não nos é dado o direito de opinar . Somos apenas espectadores passivos diante da tela que nos impõem autoritariamente as imagens e os pensamentos.

(z) Os Armamentos
As guerras do passado utilizavam armas que punham o inimigo fora de combate um a um. Mesmo as guerras ideológicas fora de combate dos séculos XVIII e XIX eram levadas a cabo para persuadir os indivíduos a adotarem novos pontos de vista, um de cada vez, mas a persuasão elétrica pela fotografia, o cinema, e a TV, agem impregnando de novas imagens populações inteiras. Se a guerra fria de 1964 foi empreendida pela tecnologia informacional, é por que todas as guerras sempre tem sido levadas a efeito com a última tecnologia disponível nas culturas em duelo. A partir da Segunda Guerra o perito atirador foi substituído pelas armas automáticas, que matavam sem necessidade de se fazer mira, é a extensão do poder visual na alfabetização e na cultura escrita.

(w) A Automação
Com a automação desaparecem os empregos e aparece a complexidade dos papéis sociais. A forma de armazenar e processar as informações em nossa sociedade modifica-se. Surgem os processos contínuos em vez dos lugares afastados. A fonte de energia pode ser separada do processamento e da transformação e diferente da era mecânica, hoje não precisamos mais estar perto de sua fonte de geração de energia e a mesma energia pode ser aplicada em processos diferentes e mais rapidamente. Na era mecânica fragmentamos e estilhaçamos o processo produtivo, hoje a eletricidade unifica e exige um alto grau de interdependência entre todas as fases do processo produtivo.

24.8.08


E as virtudes (como) castelos de areia são todas varridas
Na destruição da maré, o entrevero moral
O elástico toque de recolher anuncia o fim da peça
Enquanto a última onda revela o caminho da última moda
Porém seus sapatos novos estão gastos nos calcanhares
E seu bronzeado descasca rapidamente
E seus sábios não sabem como é se sentir
Ser Espesso como um Tijolo

21.8.08





Ego City

F.U.R.T.O

Composição: Marcelo Yuka

Carros à prova de bala, com vidros à prova de gente
Cor fumê da indiferença
E vão lambendo os cartões de crédito
Comprando de quase tudo; do orgulho à cocaína
de dólares a meninas
Passando em frente à réplica da Estátua da Liberdade
que nos prende ao consumo siliconizado e farpado urgente
que diz: Bem-vindo a Ego City

Lutadores sem filosofia, crianças sem esquinas
Realidade da portaria, mas só se for pela porta dos fundos
De frente pro mar, de costas pro mundo
Perderam o governo, mas ainda seguram os trunfos
Quando cair, delete o meu nome dos seus computadores
Se você insistir, o meu descanso será seu pesadelo

Lembre-se do mistério de PC, dono do Avião Negro
Porque o terno e o uniforme ainda
são os disfarces mais usados pelo crime
Tráfico de influência, tráfico de vaidade, tráfico pra ocupar
melhor lugar na corte
Bem-vindo a Ego City


letra da musica do furto, egocity

fotos do gosu

18.8.08


Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre palhaço que por uma hora se espavona e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muito barulho, que nada significa.

Macbeth, Ato 5, Cena 5, linhas 22-31

13.8.08


Dogma 95
Artigo escrito pelo leitor Rafael Potenza

Hoje, existem inúmeros modos de narrar. Acontece de novo uma revolução, mas não tenho certeza se o resultado dela ainda poderá ser considerado cinema, ainda que grandes filmes de Hollywood, europeus, asiáticos ou sul-americanos estejam sendo exibidos em iPods. Não sei se um filme foi feito para ser visto naquele tamanho de tela. Ela é tão pequena que a obra vira outra coisa. O que estamos vendo é algo que está sendo reinventado agora.
(LEITE, Sávio. Pág. 10 – citando SCORSESE, 2006)

Com seu documento oficial — o Manifesto — datado de 13 de março de 1995, o movimento Dogma 95 foi apresentado pelo diretor Lars von Trier ao grande público em um simpósio internacional sobre cinema organizado pelo Ministério da Cultura da França em 20 de março de 1995. Um curto período de tempo — apenas sete dias — separa o ato de colocar no papel idéias, do ato de divulgá-las como revolução.

Assinado por Lars von Trier e Thomas Vinterberg, o Manifesto é constituído de um conturbado texto que mais se assemelha a um desabafo. Um desabafo contra a “cosmetização” dos filmes e sua conseqüente capacidade de iludir quem assiste; um repudio ao cinema como obra de arte, retirando do diretor qualquer poder como autor; além de invocar uma disciplina a democratização alcançada graças a avanços tecnológicos, como o cinema digital. O manifesto apresenta o intitulado Voto de Castidade que prega 10 regras que devem ser seguidas para se adequar ao cinema proposto pelo Dogma 95.

  • As filmagens devem ser feitas em locais externos. Não podem ser usados acessórios ou cenografia (se a trama requer um acessório particular, deve-se escolher um ambiente externo onde ele se encontre).
  • O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa. (A música não poderá, portanto, ser utilizada, a menos que não ressoe no local onde se filma a cena).
  • A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos - ou a imobilidade - devidos aos movimentos do corpo. (O filme não deve ser feito onde a câmera está colocada; são as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar).
  • O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação especial. (Se há luz demais, a cena deve ser cortada, ou então, pode-se colocar uma única lâmpada sobre a câmera).
  • São proibidos os truques fotográficos e filtros.
  • O filme não deve conter nenhuma ação "superficial". (Em nenhum caso homicídios, uso de armas ou outros).
  • São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos. (Isto significa que o filme se desenvolve em tempo real).
  • São inaceitáveis os filmes de gênero.
  • O filme deve ser em 35 mm, standard.
  • O nome do diretor não deve figurar nos créditos.

Devemos avaliar cada uma das três reivindicações separadamente para entender a que veio e o que apresenta como solução o Dogma 95.

1. Contra a “cosmetização” dos filmes

Por “cosmetização” dos filmes, o Dogma 95 entende qualquer filme que utilize elementos a parte da realidade para explorar a cena, como trilha sonora que induza determinado clima, locução de narrador, efeitos especiais, cenografia e truques de fotografia, além de técnicas que escondam a verdade da representação, como maquiagem, composição de cenário e marcações de movimentação dos atores. As regras do Voto de Castidade que mais dizem respeito a esta reivindicação vão da primeira até oitava regra.

Como deixa claro, Dogma 95 execra a banalização da Sétima Arte e o que se convencionou chamar de “cinema de entretenimento” desvitaliza o que o cinema em sua procedência tem de mais original: a transgressão, a busca pela verdade. Banalizar os filmes, repetir fórmulas à exaustão, criar clichês fáceis seriam para os fundadores do Dogma 95 a excrescência de um veículo trabalhado por muitos anos com o status da arte, expressão da subjetividade humana.
(LEITE, Sávio. Pág 20)

Esta bronca com o mainstream cinema já vem de outros movimentos cinematográficos como o Expressionismo alemão, na década de 1920; o Neo-Realismo na Itália, na década de 1950; a Nouvelle Vague na França e o Cinema Novo no Brasil, na década de 1960; além das produções do cinema iraniano; na década de 1990. Mas o movimento que mais se assemelha ao Dogma 95 é o Soviet Troikh (Conselho de Três) do cineasta russo Dziga Vertov, no final de 1922, com o primeiro manifesto, entitulado Nós, redigido neste mesmo ano.

2. Repudiando o cinema como obra de autor

O filme é um trabalho de equipe e ninguém pode assinar sua autoria. Questão principal quando o cinema foi elevado ao status de Arte – se é uma obra de arte, alguém deve assinar por ele – o Dogma 95 pretende quebrar este conceito quando institui na décima regra que o nome do diretor não deve figurar nos créditos. Uma ruptura com a chamada, no texto do Manifesto, “concepção burguesa de arte” vinda do “romantismo burguês”, o filme, quando leva o certificado de filme Dogma 95, deixa de ser arte como conhecemos e passa a ser um registro, uma “semi-verdade”.

Como diretor prometo prescindir do gosto pessoal. Já não sou um artista. De hora em diante prometo não criar uma obra, já que considero o instante e a hora como mais importantes que o conjunto. Minha meta absoluta é tirar a verdade dos meus personagens e de meus cenários. Prometo fazê-lo por todos os meios disponíveis dentro de minhas possibilidades, às custas do bom gosto e de toda consideração estética.
(LEITE, Sávio. Pág 21 – citando KELLEY, 2001, p.327)

3. Disciplinando a democratização

Hoje em dia aumenta uma tormenta tecnológica e o resultado será uma democratização do cinema. Pela primeira vez, qualquer um pode fazer um filme. Porém quanto mais acessível chega a ser o meio, mais importante é a vanguarda. (...) Devemos vestir nossas películas de uniforme porque o filme pessoal é decadente por definição.
(LEITE, Sávio. Pág 21 – citando KELLEY, 2001, p.325).

Com o barateamento dos equipamentos necessários para realização de um produto audiovisual, o cinema deveria passar por uma experimentação, uma retomada as origens onde o limite não era conhecido e o desejo de descobrir algo novo existia. É a falta deste desejo que o movimento cinematográfico Dogma 95 acha um absurdo e procura retomar, se auto afirmando como um exercício de criatividade para realizadores cinematográficos que sentem que precisam se exorcizar do cinema artificial.

Another factor is the inherent challenge contained in the Dogma 95 manifesto itself. It throws down the gauntlet to all filmmakers who read it, challenging them to follow the examples provided by the Dogma 95 group. This is analogous to the typical schoolboy game of daring others to follow one’s example.
(Schepelern, Peter4)

Contradições

O movimento tem em suas regras certas ironias e provocações que, ao mesmo tempo em que são perceptíveis, devem ser levadas a sério para que tenha sentido o filme Dogma 95.

A criação das 10 regras serve para impulsionar a criatividade, o que parece ser contraditório, afinal, como a imposição de regras pode gerar a liberdade? Usando como comparação uma passagem bíblica — o que combina muito com o Dogma 95 — seriam as regras do movimento como as provações que Jó passou em decorrência de uma aposta do diabo com deus, para provar se realmente a humanidade continuaria fiel, mesmo nas mais adversas condições. Esse é o espírito do Dogma 95: testar e levar ao limite a criatividade de toda produção audiovisual “dogmática” através de dificuldades que devem ser contornadas e mandamentos que devem ser seguidos.

O fato do diretor não ser mais um artista e renunciar assim a assinar a obra cinematográfica, é no mínimo estranho. Mesmo sem ser creditado no filme, o diretor desempenha um papel fundamental no processo e contribui consideravelmente em quase todas as etapas criativas e operacionais, sendo ele a dar uma cara ao filme, um ritmo e um aspecto mais humano. Quando “promete prescindir do gosto pessoal”, o diretor do filme Dogma está na verdade prometendo em falso, pois não há como se abster de uma preferência estética quando decide colocar determinada câmera em determinado local. O mais correto seria prometer pensar todo o fazer cinematográfico em função do ator, buscando a verdade da interpretação com a câmera e não interpretando para a câmera.

As regras que me parecem mais criativas são as mais concretas: ter que filmar com a câmera na mão. Não poder colocar inutilidades no cenário. Porém, a de não poder fazer filmes de gênero ou ter de abrir mão de seu gosto pessoal, resulta quase impossível.
(LEITE, Sávio. Pág 17 – citando KELLEY, 2001, p.217).

Se eu acabei de falar em busca da verdade, aproveito para perguntar se o ato de filmar não é algo que modifica o “real”? Não há mais “real” quando se está olhando através de uma câmera. Não há como escolher o que se quer ver pois há um direcionamento do olhar, uma predileção por atos e tempos que não são o total da vida real. O Dogma 95 se diz em busca da verdade em um meio mentiroso de nascença. Não interferir numa interpretação tem seu mérito, mas crer que o ator é real – deixou de ser personagem e virou verdade – é ilusão. Na busca pela distância do artificial, o Dogma 95 não pensou que o próprio meio é artificial e ilusório, não passando apenas de uma brincadeira ótica causada pela memória retiniana.

The camera is the object that is most contrary to the natural order! And what about the actors? Why should the locations and the props be authentic when the people – i.e., the actors - are not? No explanation is forthcoming.
(Schepelern, Peter5)

Como eu disse, mesmo contraditórias, as regras devem ser seguidas para que o Dogma 95 faça sentido. Comparando mais uma vez com a religião, por que os padres prometem o celibato se gerar a vida é uma das maiores dádivas da vida? Os seres que – muitos afirmam, mas ninguém comprova – estão mais próximos de deus são exatamente aqueles não podem realizar o maior dos milagres. O porquê é simples. O maior dos milagres é considerado o maior dos pecados, e estes, representantes de deus, devem dar o exemplo.

Não há como o diretor se abster de decisões estéticas, mas o fato de não assinar o conjunto da obra, prezar por regras que sabe que não podem ser totalmente cumpridas e depois do filme concluído ter que se confessar (procedimento obrigatório para submeter o seu filme à análise de um comitê para decisão se deve ou não ser considerado um filme Dogma 95), mostra que o Dogma 95 é como uma religião: sabe-se que é utopia, mas acreditando no seu poder, coisas melhores acontecerão: seja uma benção, ou seja um exorcismo – no caso dos diretores de cinema.

O primeiro da espécie

Festa de Família, filme de 1998, dirigido por Thomas Vintemberg, vencedor do Prêmio do Júri, no Festival de Cannes é a grande revelação do movimento. Sendo o primeiro filme a ter um certificado emitido pelo Dogma 95 (documento que aparece no começo da projeção) tem um roteiro estupendo e uma imagem terrível. Assemelhando-se a um registro caseiro em VHS, o filme é escuro e tremido, assim como seu enredo que gira em torno de uma comemoração ao patriarca da família, com todas as gerações reunidas em um hotel e revelações a serem feitas, como as relações sexuais que o patriarca mantinha com seus filhos ainda pequenos e a descoberta de uma carta deixada por uma das filhas, que havia se suicidado recentemente, revelando seus motivos para cometer tal ato.

Não fugindo a nenhuma das regras do voto de castidade, o filme causa uma sensação de liberdade e ao mesmo tempo aprisionamento. Estamos em constante movimento com a câmera, mas sempre presos aos desdobramentos do roteiro. Não temos como sair daquele hotel onde está a família, não temos pausa para respirar nos campos próximos ao hotel. Acontecendo aqui e agora, o filme toma um ritmo alucinado, com pausas não menos densas em momentos onde o conteúdo dramático é tão pesado que a cena parece congelar. Mas a câmera não cessa.

Em função do roteiro, nos debatemos no sofá, gritamos com a tela, perguntamos como pode aquilo acontecer. Estamos tão envolvidos com o drama que passamos a pensar que é conosco. Em função da terrível fotografia, em dados momentos não entendemos o que se passa na tela e forçamos a vista, buscando no quadro algo reconhecível. Assim o filme consegue se adequar a convenção mais absurdas do Dogma 95: a de ser um cinema verdade. Se buscamos no quadro algo para ver, a câmera não mais nos direciona. Se nos colocamos no lugar do personagem e sofremos em intensidade igual durante o drama, o ator não mais nos engana.

Quebrando a regra

Criador do Dogma 95, Lars Von Trier lançou em 2000 o filme Dançando no Escuro, um musical... Opa, mas de cara vemos que uma das regras não está sendo cumprida. O filme começa e as regras vão caindo uma a uma, todas sendo quebradas. Mas não é bem assim.

Contando a história de Selma, uma operária praticamente cega devido a uma doença, acusada injustamente de ter assassinado seu vizinho, o homem que roubou todo o dinheiro que ela havia separado para financiar o procedimento cirúrgico que iria prevenir seu filho de viver também na escuridão, Dançando no escuro foi todo gravado em Digital Vídeo e respeita a regra de câmera na mão até que... Selma resolve cantar.

Quando ela canta, somos transportados para seu inconsciente onde, apaixonada por musicais, ela se vê dançando e cantando, seja qual for o momento de sua vida, em um estado de felicidade estonteante e em total contradição ao estado de sua visão, escura. Do mundo bagunçado, agitado, trepidante, opaco da realidade da operária, somos levados a um mundo estático, claro, limpo, colorido, da fantasia de Selma. E isso nós entendemos por que a câmera nos mostra. Alternando a câmera na mão nas cenas do real com a câmera still das cenas fantasia, compreendemos os sentimentos de Selma, seus desejos e suas dificuldades. Somos jogados no escuro de sua vida e no colorido de sua fantasia.

Lars Von Trier pode ter quebrado todas as regras do Dogma 95 com este filme, mas continua fiel na busca pela verdade no cinema. Unindo o artificial da linguagem ao verdadeiro do drama, esquecemos que é uma história, abraçamos Selma e vibramos, choramos, rimos e nos questionamos junto com ela: por que a vida tem que ser assim? Esquecemos do ator e a verdade aparece.

O Dogma 95 então é...

O Dogma 95 é utópico, é uma afronta pelo escárnio ao modelo atualmente existente de cinema.

A radicalidade de Trier reside no fato de ousar dizer que sim. Quando todos acreditavam não ser mais possível fazer arte revolucionária, o cineasta propõe um cinema utópico, eminentemente político, de combate, justamente no terreno que o capitalismo de ponta mais deseja controlar: a esfera da tecnologia digital. Subvertendo eletronicamente as íntimas relações que o trabalho na sociedade capitalista estabeleceu com os meios de produção hollywoodianos, rompendo a monotonia da cadência, curto-circuitando as projeções do establishment cinematográfico, Trier mostrou que ainda há esperança.
(LEITE, Sávio. Pág 19 – citando SANTOS, 2003, p.225).

Se eu acredito na revolução? Não saberia responder esta pergunta de imediato, pois no momento o “sim” e o “não” me saltam a boca ao mesmo tempo. Mas afirmo que enquanto houver gente disposta a experimentar e ousar crer que mesmo distante vale a pena buscar o cinema ideal, estarei disposto a me sacrificar em busca de compreender os caminhos percorridos, os porquês das questões levantadas e remoer em minha cabeça por muito tempo: eu acredito na revolução?

ANEXO I – O Manifesto

O Dogma 95 é um movimento de cineastas, fundado em Copenhage na primavera de 1995.

O Dogma 95 tem o compromisso formal de levantar-se contra uma "certa tendência" do cinema atual.

O Dogma 95 é um ato de resgate!

Em 1960, tivemos o bastante. O cinema estava morto e invocava a ressurreição. O objetivo era correto, mas não os meios. A Nouvelle Vague se revelava uma onda que, morrendo na margem, transformava-se em lama.
Os slogans do individualismo e da liberdade fizeram nascer certas obras por algum tempo, mas nada mudou. A onda foi jogada ao colo dos melhores convivas, junto aos cineastas, mas não era mais forte do que aqueles que a haviam criado. O cinema antiburguês tornou-se burguês, pois se baseava em teorias de uma concepção burguesa de arte. O conceito de autor, nascido do romantismo burguês, era, portanto... falso.

Para o Dogma 95 o cinema não é uma coisa individual!

Hoje, uma tempestade tecnológica cria tumulto. O resultado será a democratização suprema do cinema. Pela primeira vez, qualquer um pode fazer filmes. Mas quanto mais os meios se tornam acessíveis, mais a vanguarda ganha importância. Não é o caso que o termo vanguarda assuma uma conotação militar. A resposta é a disciplina ... devemos colocar os nossos filmes em uniformes, porque o cinema individualista será decadente por definição.

Para erguer-se contra o cinema individualista, o Dogma 95 apresenta uma série de regras estatutárias intituladas "Voto de castidade".

Em 1960, tivemos o bastante. O cinema havia sido "cosmetizado" à exaustão, dizia-se. Dali em diante, todavia, a utilização dos "cosméticos" aumentou de modo inaudito. O objetivo supremo dos cineastas decadentes é enganar o público. É disto que nos orgulhamos? É a este resultado que nos conduziram cem anos de cinema? Das ilusões para comunicar as emoções? Uma série de enganos escolhidos por cada cineasta individualmente?

A previsibilidade (a dramaturgia) tornou-se o bezerro de ouro em torno do qual dançamos. Usar a vida interior dos personagens para justificar a trama é muito complicado, não é a "verdadeira arte". Mais do que nunca, são os filmes superficiais de ação superficial que são levados às estrelas. O resultado é estéril. Uma ilusão de pathos, uma ilusão de amor.

Para o Dogma 95, o filme não é ilusão!

Hoje em dia, arma-se uma tempestade tecnológica. Elevam-se os "cosméticos" ao status de deuses. Utilizando a nova tecnologia, qualquer um pode - em qualquer momento - sufocar a última migalha de verdade no estreito canal das sensações. As ilusões são tudo aquilo atrás do qual pode esconder-se um filme. Dogma 95, para erguer-se contra o cinema de ilusões, apresenta uma série de regras estatutárias: o Voto de Castidade.

Copenhage, 13 de março de 1995.

Bibliografia

Livros

MOURÃO, Maria e LABAKI, Amir. O cinema do real. 2005. Editora Cosac Naify

Estudos

LEITE, Sávio. Dogma95: Tudo é Angústia. Dissertação pela Escola de Belas Artes / UFMG

12.8.08


"(...)A verdade é que o homem não é uma criatura terna e necessitada de afeto, mas um ser entre cujas disposições deve-se contar uma boa dose de agressividade. Por isso o próximo não reprsenta para ele somente um colaborador e um objeto sexual, mas também uma ocasião para satisfazer sua agressividade, para explorar sua capacidade de trabalho sem a retribuir, para se aproveitar sexualmente dele sem consentimento, apoderar-se de seus bens, martirizá-lo e matá-lo (...)"


receava postar esta frase do freud... mas depois de alguns documentarios q assisti, acho q cada vez mais concordo com ela

10.8.08

uma verdade


Só chamamos de amor o que nos une a certos seres por influência de um ponto de vista coletivo gerado nos livros e nas lendas. Mas do amor só conheço a mistura de desejo, ternura e entendimento que me liga a determinado ser. Tal composto não é o mesmo em relação a outro. Não tenho o direito de revestir todas essas experiências com o mesmo nome. Isto dispensa de realizá-las com os mesmos gestos. Também aqui o homem absurdo multiplica o que não pode unificar. Assim, descobre uma nova maneira de ser que o libera tanto quanto libera o próximo. Não há amor generoso senão aquele que se sabe ao mesmo tempo passageiro e singular.

albert camus

Revista BRAVO! | Agosto/2008

Eu Robô

Na mostra ''Emoção Art.ficial 4.0'', em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, uma máquina capaz de desenhar coloca a arte diante de um impasse. Até que ponto estamos dispostos a aceitar que uma obra possa ser feita com criatividade artificial?

Gisele Kato

De perto, ele não lembra em nada uma criatura amea­çadora. Com jeitão de formiga, anda de um lado para o outro do papel, pára em um ponto, volta ao anterior, segue mais um pouquinho. De repente, baixa uma de suas seis canetas coloridas e dá continuidade ao desenho cheio de traços e tons vibrantes que, devagar, toma a forma de uma pintura à Jackson Pollock (1912-1956). A associação quase imediata com o expoente do expressionismo abstrato nos Estados Unidos rendeu ao simpático e aparentemente inocente robô o nome de RAP, Robotic Action Painter ("action painting" foi o nome pelo qual ficou conhecida a escola artística baseada na pintura de Pol­lock). Destaque da mostra Emoção Art.ficial 4.0, em cartaz até 14 de setembro no Itaú Cultural, em São Paulo, o RAP é o orgulho do artista português Leonel Moura,pai da criatura — que observa à distância os gestos do filho e sorri, disposto a se surpreender. Moura assegura que seu robô não obedece a regras predeterminadas por ele. "Seu programa lhe dá plena autonomia para escolher por onde circular, o que fazer e quando parar", diz o artista. "Trata-se quase de um antiprograma." Ao fim de dois dias de trabalho, desde a abertura da exposição, o RAP decidiu que havia terminado uma obra. Poderia estar até hoje debruçado sobre a mesma peça ou ter-se dado por satisfeito logo nos primeiros minutos de criação. O desenho pronto — assinado por ele e por seu inventor — encontra-se pendurado em uma das paredes da instituição. É arte? Leonel Moura garante que sim e, ao bancar a resposta afirmativa, lança uma espécie de bomba no mundo das artes plásticas. A formiga elétrica, enfim, ameaça.

Macacos e Blade Runner

Concordar com o criador do robô-pintor significa acreditar que o conceito de arte sacramentado no início do século 20 já não tem mais tanto sentido assim. Desde 1913, quando Marcel Duchamp esboçou seus primeiros ready-made, ainda em Paris, essa definição liga-se à intenção do artista e sua idéia. Se Duchamp declarava que a roda de bicicleta era arte, a nós, espectadores, cabia aceitar. Por mais de cem anos, experimentamos uma era muito centrada no poder do autor sobre a obra. Com o RAP, Moura questiona esses valores: "Eu identifico arte com criatividade, com o fato de se fazer algo que não existia antes. Nenhum desenho ou pintura do meu robô se repete ou copia alguma coisa já vista. Ele não se submete a um conjunto de instruções. Ele cria", argumenta o artista português. "Quando eu anuncio a possibilidade da criatividade artificial, evidentemente proponho uma ruptura com a arte muito calcada no indivíduo. Confirmo que a arte pode nascer de um componente não-humano e sobre o qual eu, de fato, não tenho o menor controle." A tese de Moura é polêmica. Levada às últimas conseqüências, implica aceitar que tudo pode ser arte, bastando para isso que alguém — não só o próprio artista — assuma o julgamento. Ele provoca: "Estou disposto a reconhecer até que um chimpanzé faz arte. Minha única condição é a presença da criatividade".

Para entender bem a proposta de Leonel Moura, talvez seja mais fácil ver o universo em torno do RAP como uma espécie de escada. Segundo o artista português, o robô em si é sua obra de arte, afirmação endossada pelos críticos e pelo mercado. Em outro degrau, tem-se então o desenho ou a tela feitos pela máquina. De acordo com Moura, essas peças também são arte, realizadas em um segundo momento do processo, por sua própria criação. É esse o diagnóstico que gera controvérsias. A assinatura no papel grafada pelo robô, por exemplo, incomoda muita gente. Apesar de ser riscada pela máquina, deriva de comandos bem amarrados por Moura: o RAP não sabe escrever. Por outro lado, a hora em que ele termina o quadro e coloca o seu nome não está submetida a uma vontade humana: RAP decide quando seu trabalho pode, enfim, ser considerado pronto. Decide mesmo? Leonel Moura explica o seu "antiprograma" da seguinte forma: "Instalo no robô comandos binários como: 'Se tiver que usar uma caneta, escolha você se vai usar ou não. Se optar por usar uma, escolha você qual delas'. E assim por diante", diz ele, assegurando que faz sentido falar em um robô autônomo.

Para chegar ao RAP, que nasceu em 2006, e sacudir o paradigma em vigor desde Duchamp, Leonel Moura dedica-se à robótica há quase dez anos. Ele, que é representante da escola conceitual — em que a habilidade manual não tem mesmo muita relevância para determinar a qualidade de um artista —, sentiu que a arte contemporânea estava esgotada já na década de 1990. "Estagnamos nessa visão romantizada do autor, e a internet acabou de repente com essa possibilidade de endeusar tanto um artista. No universo dos sites, o que nos interessa é o conteúdo, não quem o colocou lá." Foi pensando assim que ele desenvolveu, com a ajuda de uma equipe de cientistas, o primeiro robô-pintor, apresentado em 2003, depois de dois anos de intensa pesquisa. O modelo inaugural lidava só com duas cores e, portanto, tinha de agir em equipe. Também não decidia o término de uma obra: em determinado momento, era desligado por Moura. Agora, em uma versão bem mais avançada, com nove olhos que funcionam como sensores, o RAP trabalha sozinho e se movimenta com mais autonomia. "Desse tipo são três irmãos. O que está agora em São Paulo e dois que moram em Nova York. Curiosamente, apesar de serem gêmeos, eles têm gênios bem diferentes. O RAP daqui usa muito mais a cor vermelha do que o irmão nova-iorquino", diverte-se Moura.

Em seu ateliê, em Lisboa, o artista vive cercado por vinte robôs-pintores. Confessa que, algumas vezes, se irrita com o comportamento da turma. Na galeria Leonel Moura Arte, inaugurada na capital portuguesa no ano passado, o artista vende as obras assinadas por eles. Sim, o aval do mercado as criaturas já conquistaram. Uma tela chega a custar US$ 10 mil, enquanto um desenho sai pela metade do preço. Leonel diz que especialistas em artes plásticas não distinguem as telas feitas por humanos das telas pintadas pelos formigões. "Com um detalhe curioso: em geral as mulheres preferem os quadros dos robôs." A maioria das peças produzidas pelo RAP aqui no Itaú Cultural, por exemplo, já tem os corredores da galeria portuguesa como primeiro destino. "As pessoas compram porque os quadros ficam realmente bonitos, mas também porque se encantam com a história dos robôs", explica Moura, que, ao contrário do que se pode imaginar, mantém as paredes de sua própria casa completamente nuas. "Acho que tem a ver com aquele ditado: casa de ferreiro, espeto de pau", brinca.

Impasse na arte

O artista paulistano Rodrigo Andrade, que estreou junto à chamada Geração 80, com pinturas em grandes dimensões e cheias de cor, está entre os que olham para o RAP com ressalvas. "Acho o robô simpático. Os desenhos são interessantes, curiosos, mas não consigo concordar inteiramente com a existência de uma máquina com liberdade de escolhas. O projeto é divertido, tem senso de humor, ironia, mas vejo o robô como um instrumento do Leo­nel Moura", diz o pintor, depois de uma visita à exposição. "Há um abuso nessa discussão sobre os limites da arte." Da mesma geração, porém dedicada às novas mídias, a também paulistana Giselle Beiguelman avalia a proposta de Moura com mais condescendência: "É uma sacada brilhante. Com o robô, ele nos alerta para essa fronteira cada vez mais híbrida entre o homem e a máquina. O que é o Projeto Genoma se não uma tradução do homem como um banco de dados?". Giselle, no entanto, se incomoda com o fato de o robô assinar a obra: "Quando o robô termina o desenho e se dirige para o canto do papel, ele volta a operar dentro das restrições impostas hoje à arte pela cultura cartesiana. O que importa é refletirmos sobre como homem, natureza e máquina se misturam nesses tempos recentes. A discussão sobre a arte do robô me parece irrelevante em relação à profundidade das perguntas que o robô em si nos coloca".

As questões levantadas pelo RAP precisam realmente de uma reflexão maior. Um dos organizadores da mostra Emoção Art.ficial 4.0, Marcos Cuzziol, concorda que entramos em um terreno ainda pouco maduro e muito deslumbrado com as possibilidades que se abriram com a chegada da internet e do computador. "O que quer dizer arte contemporânea? Para mim, o que reunimos agora é a verdadeira arte contemporânea. Mas esse conjunto não tem espaço nas coletivas dirigidas a criações em suportes mais tradicionais", analisa Cuzziol. O artista português Leonel Moura acrescenta: "Não me conformo com o termo 'arte e tecnologia' para designar o que faço. Um pincel é tecnologia. Enfim, os conceitos da nova arte estão muito vagos ainda". Isso sem falar na inexistência de um acervo dedicado a essa produção. O Itaú Cultural começou a montar um neste ano: "O armazenamento das obras desafia a instituição. Cada peça exige um cuidado específico", diz Eduar­do Saron, superintendente de atividades culturais da instituição e responsável pela coleção que, por enquanto, contabiliza 14 criações em novas mídias.

Um dos desenhos assinados pelo RAP aqui em São Paulo deve integrar o acervo em breve. Vai gerar polêmica. De novo, a criação do robô é arte? Diante de um cenário assim tão frágil, a imagem do pequeno robô ganha um sentido ainda maior. Eis um trabalho de formiga mesmo — uma formiga que, se romper com as barreiras da tradição, pode, quem sabe?, estrear uma outra era na arte.

frases, Albert Camus.colagem


« Os tristes têm duas razões para o ser: ignoram ou esperam »

" Não há amor generoso senão aquele que se sabe ao mesmo tempo passageiro e singular "

A característica do homem absurdo é não acreditar no sentido profundo das coisas. Ele percorre, armazena e queima os rostos calorosos ou maravilhados. O tempo caminha com ele. O homem absurdo é aquele que não se separa do tempo.
Amar e possuir, conquistar e esgotar, eis sua maneira de conhecer

Você sabe o que é o encanto? é ouvir um sim como resposta sem ter perguntado nada

Igualmente enfermo, cúmplice e ruidoso, acaso não lancei meus gritos por entre as pedras? Também eu esforço-me por esquecer, caminho através de nossas cidades de ferro e fogo, sorrio corajosamente à tristeza, chamo ao longe as tempestades, serei fiel. Em verdade esqueci: sou ativo e surdo a partir desse momento. Mas um dia talvez, quando estivermos prestes a morrer de esgotarem e ignorância, eu possa renunciar aos nossos túmulos espalhafatosos para ir deitar-me no vale sob a mesma luz, e possa aprender pela última vez aquilo que sei. ( Regresso a Tipasa )

“Penso agora em flores, sorrisos, desejo de mulher, e compreendo que todo o meu horror de morrer está contido em meu ciúme de vida. Sinto ciúme daqueles que virão e para os quais as flores e o desejo de mulher terão todo o seu sentido de carne e de sangue. Sou invejoso porque amo demais a vida para não ser egoísta... Quero suportar minha lucidez até o fim e contemplar minha morte com toda a exuberância de meu ciúme e de meu horror”.


(Na imagem desenho feito por um dos seus primeiros robôs em 2004)

(...) continuar a pintar telas com um pincel molhado em tinta ou fazer instalações em que se acumula lixo em cima de lixo a que se dá um título absurdo, é perder tempo. Ou pelo menos é continuar a viver noutro tempo que não o nosso.

A arte do século 20 morreu porque o século 20 está definitivamente morto. Agora estamos no século 21. E temos a arte do século 21

(...)

Dito isto, então onde está a diferença, a ruptura, o novo paradigma?

A arte do século 20 caracteriza-se por uma crescente afirmação do autor. Desde a abstracção que liberta a arte de qualquer representação ou referência exterior para se tornar numa coisa em si mesma, até ao gesto radical de Duchamp que se liberta do próprio objecto e estabelece o acto criativo como singular vontade do artista. “Arte é o que o artista diz que é arte” é o paradigma que domina todo o século 20. Mesmo nos casos de obras de carácter processual, o artista é sempre o centro do processo e aquele que tudo controla.

Na nova arte do século 21 as coisas não são tão claras. Estamos ainda na fase da procura e da experimentação. A melhor e mais excitante diga-se de passagem. As novas tecnologias e os novos saberes geraram uma explosão de possibilidades dando origem a muitas designações e práticas: net, digital, tech, sci, bio, robô. No meio de tanta diversidade, que alguns consideram ser para já o que melhor caracteriza a nova arte, não existe outro título senão o 21 da data, que possa congregar todas estas expressões por vezes até bastantes contraditórias nos seus processos e modelos conceptuais. A própria tecnologia não pode servir como marca diferenciadora, já que afinal um pincel também é tecnologia, ainda que muito baixa. Usar simplesmente uma nova tecnologia disponível não gera por si só uma nova arte. Pelo contrário, muitas vezes a arte é afogada pelo fascínio tecnológico, coisa que é bastante visível em muitas obras actuais.

É por isso que considero que depois da afirmação radical da obra com a abstracção, seguida da afirmação radical da autoria com Duchamp, a próxima ruptura realmente digna desse nome é a que retira o humano do processo e afirma não menos radicalmente a autonomia da criatividade em si mesma. Ou como dizia logo nos anos 40 Norbert Wiener, o pai da cibernética, “we must take the human factor out of the loop” se queremos gerar uma inteligência ou uma arte realmente autónomas.

Assim, eu já não crio directamente obras de arte, mas crio entidades, agentes, organismos capazes de produzir pelos seus próprios meios as suas obras de arte. Ou seja, em vez de fazer arte faço o artista. Nessa medida não só não domino completamente a produção e resultado da obra, como invisto todas as minhas capacidades e imaginação em gerar as condições para que essa obra possa efectivamente libertar-se da minha influência, quer através de imprevisíveis interacções sensoriais, quer por via de uma “lógica” interna assente em processos aleatórios e de emergência. É nesse contexto que posso afirmar que as obras produzidas pelos meus robôs pintores devem ser vistas como independentes da minha acção, de tal modo que adquirem uma qualidade própria a que chamo criatividade artificial por analogia com o que hoje já reconhecemos como uma inteligência artificial.

Os meus robôs não são os únicos produtores desta nova forma de arte. Existem muitos outros exemplos de obras geradas através de processos aleatórios, emergência, inteligência artificial, algoritmos genéticos, manipulação genética, ou seja, que no essencial partem dessa nova atitude de desencadear um processo criativo capaz de ganhar autonomia face a quem esteve na sua origem.

É esse o caminho da arte do século 21. E esse o novo paradigma depois de Duchamp.

por: Alessandro da Silva

7.8.08

arte,


" A arte é, e sempre foi, provocação. A função da arte em relação à sociedade resulta clara: expressar a qualquer preço o que se esconde atrás do muro. O artista é o que arranca o véu, toda arte é violação, é uma regressão ilegal em relação à maturidade da sociedade industrial e super-repressiva"
jean-Jacques Lebel, pintor francês

" A arte é um jogo e os jogos têm as suas regras "
Piet Mondrian, pintor francês (é o cara dos famosos quadradinho vermelho/azul/e amarelo rsrs) (1872-1944)

" A arte é uma mentira que nos ensina a compreender a verdade, pelo menos aquela verdade que somos capazes de compreender como homens"
Pablo Picasso (dispensa apresentações ;) )

" A arte é uma demonstração de que o ordinário é o extraordinário"
Amédée Ozenfant, pintor e desenhista francês (18886-1966)



-e como sempre, há contrvérsias! hauhau-

PINTURA DE JENNY SAVILLE, considerada pintora do grotesco, como outros (tipo bacon)

6.8.08


" Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'. Pois esse impulso ás vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como 'estou contente outra vez' "

caio fernando abreu

foto> Gilberto Garcin

cult urra



livro novo: Cultura e Democracia, da Marilena Chauí.. recém no segundo capítulo e já tem partes que gostaria de postar (tah admito q com uma certa intenção de tar tapas de luva na cara de alguns heheh):

(...)o homem passa a relacionar-se com seu trabalho pela mediação do discurso da tecnologia, a relacionar-se com o desejo pela mediação do discurso da sexologia, a relacionar-se com a alimentação pela mediação do discurso dietético, a relacionar-se com a criança por meio do discurso pedagógico e pediátrico, com a natureza pela mediação do discurso ecológico, com os demais homens por meio do discurso da psicologia e da sociologia. Em uma palavra: o homem passa a relacionar-se com a vida, com seu corpo, com a natureza e com os demais seres humanos através de mil pequenos modelos científicos nos quais a dimensão propriamente humana da experiência desapareceu. Em seu lugar surgem milhares de artifícios mediadores e promotores de conhecimento que constrnagem cada um e todos a se submeterem à linguagem do especialista que detém os segredos da realidade vivida e que, indulgentemente, permite ao não-especialista a ilusão de participar do saber.(...)

(...)A invasão dos mercados letrados por uma avalanche de discursos de popularização de conhecimento NÃO é signo de uma cultura enlouquecida que perdeu os bons rumos do bom saber: é apenas uma das manifestações de um procedimento ideológico pelo qual a ilusão coletica de conhecer aoenas confirma o poderio daqueles a quem a burocracia e a organização determinaram previamente como autorizados a saber(...)

-------------

"A denúncia de tudo quanto mutila a espécie humana e impede sua felicidade nasce da confiança no homem (...)Agora, quando se imagina que a ciência nos ajudou a vencer o terror do desconhecido na Natureza, somos escravos das pressões sociais que essa mesma ciência criou. Quando nos convidam a agir indpendentemente, pedimos modelos, sistemas, autoridades. Se quisermos, verdadeiramente emancipar o homem do medo e da dor, então a denúncia do que hoje se chama razão e ciência é o melhor serviço que a razão pode prestar."
Horkheimer

fotos> Gilberto Garcin

4.8.08

crônica



FERREIRA GULLAR: (em 2005..)


Ainda aluna de medicina, Nise da Silveira se horrorizou ao ver o professor abrir com um bisturi o corpo de uma jia e deixar à mostra, pulsando, seu pequenino coração. Saiu da sala para vomitar.
Esse fato define a mulher que iria revolucionar o tratamento da esquizofrenia e pôr em questão alguns dogmas estéticos em vigor mesmo entre artistas antiacadêmicos e críticos de arte.
A mesma sensibilidade à flor da pele que a fez deixar, horrorizada, a aula de anatomia a levou a se opor ao tratamento da esquizofrenia em voga na época em que se formou: o choque elétrico, o choque insulínico, o choque de colabiosol e, pior do que tudo, a lobotomia, que consistia em secionar uma parte do cérebro do paciente. Tomou-se de revolta contra tais procedimentos, negando-se a aplicá-los nos doentes a ela confiados. Foi então que o diretor do hospital, seu amigo, disse-lhe que não poderia mantê-la no emprego, a não ser em outra atividade que não envolvesse o tratamento médico. - Mas qual?, perguntou ela. - Na terapia ocupacional, respondeu-lhe o diretor.
A terapia ocupacional, naquela época, consistia em pôr os internados para lavar os banheiros, varrer os quartos e arrumar as camas. Nise aceitou a proposta e, em pouco tempo, em lugar de faxina, os pacientes trabalhavam em ateliês improvisados pintando, desenhando, fazendo modelagem com argila e encadernando livros. Desses ateliês saíram alguns dos artistas mais criativos da arte brasileira, cujas obras passaram a constituir o hoje famosíssimo Museu de Imagens do Inconsciente do Centro Psiquiátrico Nacional, situado no Engenho de Dentro, no Rio.
É que sua visão da doença mental diferia da aceita por seus companheiros psiquiatras. Enquanto, para estes, a loucura era um processo progressivo de degenerescência cerebral, que só se poderia retardar com a intervenção direta no cérebro, ela via de outro modo, confiando que o trabalho criativo e a expressão artística contribuiriam para dar ordem e equilíbrio ao mundo subjetivo e afetivo tumultuado pela doença. Isto, no começo, foi pura intuição, que ganhou consistência teórica graças aos ensinamentos de Jung, sua teoria do inconsciente coletivo e das mandalas como formas arquetípicas da expressão.
Por isso mesmo acredito que o elemento fundamental das realizações e das concepções de Nise da Silveira era o afeto, o afeto pelo outro. Foi por não suportar o sofrimento imposto aos pacientes pelos choques que ela buscou e inventou um outro caminho, no qual, em vez de ser vítima da truculência médica, o doente se tornou sujeito criador, personalidade livre capaz de criar um universo mágico em que os problemas insolúveis arrefeciam.
No final dos anos 50, eu era chefe do copidesque do "Jornal do Brasil", quando certa noite recebi um telefonema da dra. Nise. Ela pedia apoio para uma iniciativa sua que estava sendo hostilizada por outros médicos do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro. É que, tendo observado a melhora no comportamento de um internado ao conquistar o afeto de um cão que aparecera no hospital, ela decidira levar outros cães para possibilitar esse relacionamento afetivo com outros internados.
De fato, eles passaram a cuidar dos animais, a brincar com eles, tornando-se mais alegres e afáveis. Alguns médicos, porém, consideraram aquilo uma ofensa à psiquiatria e à sua condição de doutores, uma vez que substituía os métodos científicos de tratamento pelo convívio com cachorros. Alguns dos cães apareceram mortos, envenenados. A publicação da notícia serviu para que parassem de matar os animais.
O trabalho dela sempre gerou polêmicas. A revelação, nos ateliês de terapia ocupacional, de alguns artistas de extraordinário talento, logo exaltados por Mário Pedrosa, nunca foi um assunto pacífico. Muitos críticos e artistas de renome negavam-se a admitir que doentes mentais fossem capazes de fazer arte. Na opinião deles, as pinturas e desenhos de Emygdio de Barros, Rafael ou Fernando Diniz não passavam de criações mórbidas, sem qualquer mérito artístico.
De fato, mero preconceito fundado em razões ora ideológicas ora esteticistas, que os impedia de enxergar a beleza e a expressividade daquelas obras. Tal preconceito foi, até certo ponto, atenuado com o tempo, mas é verdade também que, mesmo hoje, quando se fala de arte brasileira, esses artistas não contam e, se contam, é como um caso à parte.
Deve-se dizer, a bem da verdade, que não era propósito da dra. Nise, ao realizar aquele trabalho terapêutico, produzir artistas. Na sua concepção, a linguagem não-verbal das artes plásticas possibilitava aos doentes mentais expressar vivências conflituais complexas e, graças a isso, reorganizar seu mundo subjetivo, fornecendo ao mesmo tempo ao estudioso da esquizofrenia elementos reveladores daquilo que Antonin Artaud definira como "os inumeráveis estados do ser".
Comemora-se neste ano o centenário de nascimento dessa mulher, que soube ser, durante toda a vida, brava, doce e generosa.