29.6.08

Algumas reflexões sobre os idiotas e a morte da música


Algumas reflexões sobre os idiotas e a morte da música

O capitalismo, ao avançar sobre a arte e tentar transformá-la em mercadoria, tenta assassiná-la. Como expressão da consciência humana, a arte é libertadora; como produto de um processo fetichizado, a mercadoria é alienante. A “industrialização” proposta pelos oligopólios do entretenimento é, na verdade, a antítese da arte

VALÉRIO BEMFICA

A morte da arte tornou-se, no século XX, tema de muitos pensadores. Os mais bem intencionados, porém pessimistas, premidos pelo crescimento da indústria cultural, não acreditavam que a humanidade pudesse continuar criando objetos dignos de reflexão estética: eles seriam gradualmente substituídos por produtos industrializados, capazes apenas de expressar sentimentos “prêt-à-porter”, descartáveis, pasteurizados. Anunciavam a morte da arte, mas como lamentação. Nunca fomos adeptos de tais posições, mas reconhecemos que elas expressam uma tensão real. O capitalismo, ao avançar sobre a arte e tentar transformá-la em mercadoria, tenta assassiná-la. Como expressão da consciência humana, a arte é libertadora; como produto de um processo fetichizado, a mercadoria é alienante. A “industrialização” proposta pelos oligopólios do entretenimento é, na verdade, a antítese da arte.

Mas as premissas das quais partimos são diferentes. Ainda que conscientes do poderio deletério das grandes corporações na área da cultura, sempre consideramos que um dia elas serão derrotadas. A não ser que a barbárie destrua a humanidade, o que consideramos pouco provável, a arte continuará existindo, com seus condicionamentos históricos. E a sociedade do futuro, sem classes nem exploração, será uma sociedade de artistas. Mas tampouco consideramos tais pensadores como inimigos: estão equivocados em sua visão catastrofista, mas gostariam que a arte continuasse viva. O conforto de suas cátedras talvez tenha embaçado a visão deles sobre a realidade e dificultado a decisão de trabalhar pela derrocada do sistema imperialista, ao invés de apenas observá-lo com horror.

Mas não foram apenas os filósofos que anunciaram o falecimento da arte. Alguns artistas também o fizeram. Em geral aqueles que estavam dentro do campo da indústria cultural, seja no centro ou em sua periferia. A estes nós chamamos de idiotas. Mas vale uma ressalva: empregamos o termo aqui não no sentido atual, mas no arcaico. Reza a lenda que os antigos gregos, antes das reuniões na ágora onde os grandes temas de interesse coletivo seriam discutidos, cercavam a área da praça com cordas banhadas em betume. A medida visava marcar as túnicas daqueles que fugissem durante as reuniões e trocassem o dever de homens públicos por seus assuntos privados. Os que andassem com as roupas marcadas pelas ruas da antiga Atenas eram chamados de “idiotes”. Ou seja, aqueles que não se importavam em nada com o coletivo, mas apenas consigo mesmos.

Em geral é assim que se comportam tais “artistas”: anunciam a morte da arte não por alguma convicção ideológica, mas em benefício próprio e da indústria cultural. No campo das artes plásticas é fácil verificar este processo, principalmente entre as vanguardas norte-americanas e européias do século XX, em especial no pós-guerra. Esgrimiam discursos libertários, praguejavam contra as academias e as regras e garantiam que qualquer coisa (de latas de sopa a urinóis) tinha virado arte e, portanto, a arte mesma não existia mais. O que determinava o valor estético de um objeto deixava de ser aquilo que é expresso pela sua forma e conteúdo. Na prática, o valor estético passou a corresponder ao valor de mercado. Sendo assim, o “artista” não precisa mais esforçar-se para produzir algo importante para a humanidade, mas sim algo que agrade ao mercado (e renda um dinheirinho). E, neste sentido, ajudaram o mercado em seu intento de matar a arte, substituindo obras por mercadorias.

Mas não são as artes plásticas a motivação central da nossa reflexão. Elas surgem a partir de algumas matérias publicadas recentemente em um suplemento dito ilustrado de um jornalão paulista, especializado em mostrar o que há de mais podre e carcomido como sendo o último grito da moda. A primeira delas traz notícias da Suécia, onde alguns selos musicais independentes estão supostamente “importunando as grandes gravadoras”. Nada temos contra o país nórdico, que já deu ao mundo Greta Garbo, Anita Ekberg e a família Bergman. Mas, no campo da música, só conseguimos lembrar do breguíssimo conjunto ABBA. O que será que os tais selos fizeram para, agindo em um país menor e menos populoso - e com muito menos importância musical - do que a Bahia incomodar tanto as poderosas majors? Segundo o jornal, descobriram que “a indústria da música morreu” e resolveram dar os CD’s de suas bandas como brinde para quem compra uma camiseta ou um ingresso para um show ou uma festa.

MERCADORIA

De imediato lembramos do filósofo iluminista alemão G. E. Lessing. Certa ocasião teve de responder a alguns críticos que não entendiam o porquê de os escultores que fizeram o grupo escultórico do Laocoonte terem retratado o sacerdote nu, e não vestido, como descrevera Virgílio na Eneida. Responde Lessing: “Um tecido, obra de mãos escravas, tem a mesma beleza que um corpo organizado, obra da eterna sabedoria”? Podemos parafraseá-lo e perguntar: um pedaço de tecido com uma estampa qualquer, produzido em série por uma máquina, vale a mesma coisa do que uma obra de arte, obra da mais elevada consciência humana? No entendimento das bandas de garagem suecas, vale mais, pois vendem a camiseta e dão a música de graça! É grande a tentação de afirmar que a música deve ser tão ruim que ninguém se dispõe a pagar por ela. Pode até ser, mas os supostos artistas logo revelam que a sua posição não é muito diferente dos vanguardistas aos quais nos referíamos antes: “precisamos fazer alguma coisa para conseguir dinheiro de algum lugar, para pagar nossos aluguéis.”, afirmam eles. Ou seja, por trinta dinheiros, vale qualquer coisa, seja vender camisetas, seja vender CD’s: são só produtos, mercadorias, que pagam as contas e, eventualmente, rendem “quinze minutos de fama”.

NEGÓCIO

Se o jornalão só falasse da experiência sueca acreditaríamos que era apenas mais uma das inúmeras bobagens vendidas como novidade em suas páginas. Mas eis que, no dia seguinte, no mesmo jornal, surge outra idéia “brilhante”, desta vez de uma gravadora brasileira que se assume como independente: o download patrocinado. O genial mecanismo também prevê música grátis, em troca da exposição a um patrocinador. O que vale é o marketing, a obra de arte, mais uma vez, é brinde. Nem uma palavra sobre os reais motivos que levaram o mercado brasileiro do disco cair da 6ª para a 13ª posição mundial, a encolher 75% em dez anos. Apenas a cômoda conclusão de que não é possível mais ganhar dinheiro vendendo discos e que precisamos vender outra coisa...

Para os desavisados pode parecer que estes gênios do capitalismo da nova geração, propondo “novos modelos de negócio”, estejam bombardeando a indústria cultural. Mas é justamente o contrário. No mundo ideal dos oligopólios do entretenimento, já dissemos, não há arte, apenas mercadorias. No que depender deles a música, o cinema, a pintura, a escultura, enfim, toda e qualquer obra de arte será transformada em “commoditie”, ou seja, em produto estandartizado com preço definido em bolsa de valores. Nada mais de autores, estilos, originalidade. Apenas bit’s, bites, títulos, conteúdos. Você compra um celular e já ganha 10 MB de música! Assine tal provedor de internet e ganhe 5 “gigas” de filmes. Qualquer bugiganga de camelô tendo como brinde música e imagem... Longe de combater as majors, estes arremedos de capitalistas agem como a sua vanguarda. Criam o caldo de cultura para o assassínio da arte que os monopólios pretendem cometer. São, neste caso, perfeitos idiotas (no sentido acima): tentam garantir migalhas em detrimento dos interesses mais elevados, não apenas de seus pares, mas de todos os seres humanos.

Mas a humanidade já passou por períodos até mais complicados do que o atual, e a arte sobreviveu. Não seria agora, em um período em que o capitalismo caminha celeremente para a decadência, que ela iria perecer. O fato de a indústria cultural lutar com tanto afinco para acabar com ela é só um sintoma de sua degenerescência, na qual, certamente, arrastará junto os mercadores instalados em sua periferia. O futuro pertence à arte, não à barbárie.

tirado do hora do povo

28.6.08


não tenho país
nem casa nem riqueza
e como me sinto bem!
Rogério Martins


por Julio Lemos

As sociedades modernas – pensemos por exemplo na canadense –, altamente diferenciadas e complexas, estão divididas em inúmeros compartimentos: de corporações e instituições públicas a pubs irlandeses e casas de strip-tease, passando pelos cada vez mais raros “lares” nos quais habitam as… famílias, ou o que quer que seja.

Se essa rápida descrição é insuficiente para dar uma idéia da complexidade moderna, ao menos basta para nos levar à conclusão de que nela não há espaço para os “grandes homens”. As razões para isso? Bem, talvez possamos dizer simplesmente que as pessoas não têm idéia do que é um “grande homem” e portanto não sabem por onde começar.

Para Aristóteles – e então voltamos para a Atenas do séc. V a.C. –, um homem que conseguisse unir na prática um ideal de excelência pessoal a uma ação marcante na sociedade civil, mesmo que isso se limitasse a uma influência quase imperceptível sobre os demais homens do seu tempo e espaço – esse homem seria grande.

A pergunta então seria: podemos imaginar um homem magnânimo vivendo no século XXI?

O exemplo dado por Aristóteles é o próprio Sócrates. Mas Sócrates habita um contexto muito distinto do nosso. Não podemos imaginar algo como uma figura “togata” (de toga…) nas ruas de Montréal; isso seria ridículo. Poderíamos dirigir a esse homem hipotético a acusação feita por um personagem de Bernard Shaw em Pigmaleão: “você é um insulto à nossa arquitetura”.

As virtudes são encarnadas num contexto concreto, por uma pessoa determinada, com um nome e uma história de vida particular. Esse contexto pode ser entendido se pensamos no nosso próprio entorno público-privado: nossa família, amigos, instituições que nos influenciam. Se pensamos em nós e na nossa própria situação, o nosso contexto está dado. E a compreensão do que seria um contexto para os outros (na e fora da nossa época e espaço) nos vem imediatamente, e assim podemos aplicá-lo a qualquer pessoa. Cada uma com o seu.

O caminho para a magnanimidade é muito simples: basta imbuir-se seriamente de histórias cheias de homens interessantes e que pensam “grande”, e logo logo estaremos pensando e agindo como eles. E só então poderemos ser grandes dentro das nossas circunstâncias pessoais.

Resolvo o primeiro problema: o das sociedades modernas. Não importa a complexidade na qual estamos inseridos. O modo de atuar do homem continua, essencialmente, o mesmo. Nos comunicamos por meio de uma língua corrente; lemos livros; e, mais importante, conversamos com as pessoas. E ainda temos acesso a um banco de dados imenso de histórias sobre as virtudes mais diversas (o nome disso é “civilização”); todos esses exemplos estão aí para serem imitados, sem medo do politicamente correto e da mediocridade.

É por isso que, vez ou outra, surgem grandes almas como Chesterton, Madre Teresa de Calcutá – veja-a cuidando de aidéticos em Nova York e terá uma idéia clara da magnanimidade, presente em alguém que talvez nunca tivesse lido Aristóteles – e Bruno Tolentino, com o qual pude conversar calmamente enquanto íamos ao… dentista.

E por que só exemplos de homens que já se foram? É a vez de parafrasear o velho Estagirita de novo: só se sabe o que um homem é depois que o ciclo da sua vida se fecha.



(foto de Misha Gardin)

25.6.08



vende a vida inteira
pelo pão de cada dia
a liberdade bóia, fria
Goulart Gomes

PARA QUE SERVE A ARTE?



Livro "Como Apreciar a Arte" do Armindo Trevisan, uma pequena passagem de um pequeno capítulo:

"(...) Na qualidade, pois, de signo, a obra de arte constitui um contrapeso, e também uma antítese, às
demais funções humanas (função prática, função teórica, função religiosa). Surge, mais uma vez, a questão: para que serve a função estética?
Respondamos: 'Para nada.' (....)
Repitamos: 'embora tanto um instrumento como uma obra de arte sejam intencionais, o fato é que a segunda se dirige a si própria. É a 'auto-finalidade' da arte. (......)
No caso de um quadro ou de uma estátua, a questão de sua utilização perde todo o sentido. A atenção dirige-se unicmente ao homem. (...) Uma vez q a obra de arte não visa objetivos exteriores, a atenção precisa concentrar-se em quem a frui. A essa fruição dá-se o nome de estesia, ou mais comumente, de gozo estético.
(....)
Voltamos à questão inicial: PARA QUE SERVE A ARTE? Antes de tudo para aproveitar aspectos inaproveitados da realidade, mantendo o homem em situação de estranheza perante o universo. Sim, a luta pela vida conduz o homem uma monotonia, senão cansaço. Ora, a função estética evita que ele caia na na automatização. Graças a ela o homem toma proguessivamente consciência de si próprio, e projeta semelhante consciência na realidade que o cerca. "

e ele finaliza o capítulo assim:

"(...)Concluamos: a função estética abrange a TOTALIDADE da atividade humana."

cada um puxa a brasa pro seu assado, oras.

23.6.08

GEORGE CARLIN -pioneiro, com Lenny Bruce, no humor de crítica social- morreu ontém de noite...

Eu o amo.

mesmo (ou por isso mesmo) ele sendo um velho cretino e cínico, era de matar (de rir)


aqui tah uma palhinha dele:

http://br.youtube.com/watch?v=MeSSwKffj9o

http://br.youtube.com/watch?v=MrXvDXVhqfU

http://www.youtube.com/watch?v=lpmiLPc6g18&feature=related


"Em suas cinco décadas como comediante, escritor e ator, George Carlin não apenas nos fez rir, mas nos fez pensar", comentou o diretor do Kennedy Center, Stephen Schwarzman. "Sua influência na nova geração de cômicos é inquestionável".

Até meados da década de 1960, Carlin manteve uma imagem tradicional, com fato e cabelo curto. Depois, ao escrever novo ato, decidiu deixar crescer o cabelo e a barba, tornando-se um ícone da contracultura. Crítico acérrimo das religiões, principalmente do sentido da culpa e do controle social, defendia aparentemente valores seculares.

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George Carlin, who died of heart failure Sunday at 71, leaves behind not only a series of memorable routines, but a legal legacy: His most celebrated monologue, a frantic, informed riff on those infamous seven words, led to a Supreme Court decision on broadcasting offensive language.

The counterculture hero’s jokes also targeted things such as misplaced shame, religious hypocrisy and linguistic quirks — why, he asked, do we drive on a parkway and park on a driveway?

He won four Grammy Awards, each for best spoken comedy album, and was nominated for five Emmy awards. On Tuesday, it was announced that Carlin was being awarded the 11th annual Mark Twain Prize for American Humor, which will be presented Nov. 10 in Washington and broadcast on PBS.

“Nobody was funnier than George Carlin,” said Judd Apatow, director of recent hit comedies such as “Knocked Up” and “The 40-Year-Old Virgin.” “I spent half my childhood in my room listening to his records experiencing pure joy. And he was as kind as he was funny.”





Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.

fernando pessoa


22.6.08

Mulheres na linha do tempo: uma história


parte de um artigo:

A ''nova'' mulher: o estereótipo feminino representado na revista Nova/Cosmopolitan
The ''new'' woman: the feminine stereotype represented in Nova/Cosmopolitan


Nincia Ribas Borges Teixeira1
Maristela S. Valério2


Mulheres na linha do tempo: uma história

Analisando a história da humanidade, podemos perceber que as mulheres sempre ficaram em segundo plano. Quando se trata do relato da história, elas dificilmente aparecem. Foi somente a partir da década de setenta, junto com a eclosão dos movimentos feministas por todo o mundo, que alguns estudiosos começaram a perceber que as mulheres não apareciam nos estudos históricos. Iniciaram-se, então, correntes que procuraram recuperar a história da mulher dentro da sociedade. Mais tarde, esses estudos começaram a percorrer outras áreas das ciências humanas, como a literatura, por exemplo.

A história das mulheres mudou. Em seus objetos, em seus pontos de vista. Partiu de uma história do corpo e dos papéis desempenhados na vida privada para chegar a uma história das mulheres no espaço público da cidade, do trabalho, da política, da guerra, da criação. Partiu de uma história das mulheres vítimas para chegar a uma história das mulheres ativas, nas múltiplas interações que provocam a mudança (Perrot, 2007, p. 15).

A partir disso, foi possível perceber que papel da mulher, durante muito tempo, foi voltado apenas ao ambiente privado. Eram mães, esposas, filhas, que tinham sua importância relegada ao último plano. Cria-se, então, a imagem da mulher em dois opostos extremos, ao mesmo tempo em que são submissas, podem ser perigosas, pois qualquer ato mais ousado é uma forma de desafiar a ordem estabelecida dentro da sociedade patriarcal. Isso fica claro principalmente nas representações que a literatura faz das mulheres através dos séculos.

A história da literatura traz imagens contraditórias como as da Nossa Senhora, da mulher idealizada, da bruxa, da jovem inocente, da sedutora, da mãe dedicada ou da femme fatale. A diversidade das imagens estereotípicas, porém, se junta numa estrutura dualista: elas dividem o feminino numa forma idealizada e demoníaca. Até há pouco tempo atrás, a maioria das mulheres recebia uma educação voltada apenas para os afazeres domésticos, não tendo acesso à cultura e às informações. Não tinham direito ao voto e não podiam trabalhar fora de casa. Além disso, era preciso que se mantivesse casta, para isso sendo vigiada durante a vida toda, primeiramente pelo pai, e, mais tarde, pelo marido, na falta deste, pelos filhos. (Reisner, 1999. Disponível: www.quintocoiote.com).

A grande mudança veio com as I e II Guerra Mundial, com os maridos nas frentes de batalha, as mulheres precisaram tomar frente aos negócios e do sustento da casa. Com a consolidação do capitalismo, os direitos trabalhistas das mulheres foram revistos e estas passaram a disputar os postos de trabalho, antes exclusivos dos homens. Começou então a luta pelos direitos da mulher, de igualdade trabalhista, que mais tarde acabou abrangendo também outros campos.

Surge então um movimento denominado feminismo. O feminismo, segundo Branca Moreira Alves & Jaqueline Pitanguy (1985), traduz-se por um processo que teve suas raízes fincadas no passado e se construiu no cotidiano, sem ter um ponto determinado de chegada.

O feminismo busca repensar e recriar a identidade de um sexo sob uma ótica em que o indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades ‘femininas’ ou ‘masculinas’ sejam atributos do ser humano em sua globalidade (Alves e Pitanguy, 1985, p. 9).

As principais bandeiras levantadas pelas primeiras feministas eram a do trabalho e a do direito ao voto, por isso, elas foram chamadas de sufragistas. Embora pregassem a liberdade feminina, essa liberdade ficava apenas no setor público. Questões como a sexualidade ficaram de fora das discussões.

No Brasil da década de setenta, os brasileiros viviam o contexto da ditadura militar. Censura, repressão às manifestações populares e a qualquer possível crítica ao governo, faziam parte do dia-a-dia da sociedade setentista. Ao mesmo tempo, ocorria a consolidação do capitalismo, com o apoio dos militares ao investimento de capitais estrangeiros no país.

O movimento feminista da época mudava de foco. Alguns dos direitos femininos tão reivindicados já tinham sido atendidos, pelo menos na teoria. A mulher já podia votar, já tinha mais autonomia dentro das relações de trabalho e direito à educação. Isso se deu devido à abertura de novas vagas no mercado de trabalho, aumento das necessidades de consumo e das conquistas e reivindicações dos movimentos feministas internacionais. Mas a grande mudança que ainda não havia acontecido era na mente dessas mulheres. A grande luta nesse momento era contra a mentalidade tradicional, que ainda não estava acostumada com as “modernidades” femininas da época e ainda acreditava que as mulheres deviam ficar relegadas ao ambiente doméstico.

A década de 70 é considerada pelas feministas como de grandes vitórias e da chegada ao poder. As revistas femininas agiam nessa época como incentivadoras desse comportamento dito moderno. De acordo com Herbale (2004), estudos sobre revistas femininas mostram as contradições presentes em seu discurso, ora incentivam e apóiam atitudes progressistas e transgressoras das mulheres, ora sugerem restrições e punições para quem infringir as regras da sociedade.

No Brasil da década de setenta, em meio à mentalidade tradicional o país se modernizava. Novos costumes e idéias de liberdade eram apresentadas e recebidas com curiosidade e desconfiança. A revista Nova, então, agia como uma incentivadora das mulheres na conquista de sua liberdade, principalmente sexual e emocional. Para Lima (2003), “no torvelinho dessas mudanças, emerge, no Brasil, uma novidade no discurso dos periódicos destinados a mulheres de classe média: a otimização do trabalho fora das cercanias domésticas e o sexo prazeroso como assunto a ser tratado por elas.”

Da década de setenta até os dias atuais, muitas mudanças podem ser percebidas em relação às mulheres. Em apenas trinta anos, concretizaram-se conquistas que não foram obtidas durante séculos. A luta pela igualdade no trabalho já está estabelecida, pelo menos na teoria, há algum tempo. O número de mulheres nas universidades é cada vez maior. A luta pela liberdade sexual também não é mais uma preocupação das feministas. Ao contrário, o que preocupa as defensoras dos direitos femininos atualmente é a banalização da sexualidade feminina. Não se discute mais o direito da mulher em relação ao seu corpo, o que preocupa é a mulher ter se tornado um objeto em prol da publicidade.

Apesar da proliferação dos textos e imagens no murmúrio contínuo e inesgotável do cotidiano ocidental, a apropriação social do discurso se dá em diferentes instâncias discursivas, lugares de fala, posições de autoridade que legitimam ou excluem, delimitam ou expandem as hierarquias e os valores definidores de sentido e de lugares sociais, na Ordem do Discurso, na economia de um imaginário em que se pode detectar a hegemonia das representações tradicionais e naturalizadas de gênero (Swain, 2001. Disponível em: www.letras.ufrj.br).

Atualmente, não são mais os homens ou os valores sociais que oprimem as mulheres. A opressão se dá de outras formas, como as duplas jornadas de trabalho. Mulheres e homens continuam a assumir os lugares destinados a cada um dos sexos, no qual as mulheres voltam-se para a maternidade e para casa e os homens para o público e a vida social. De acordo com Maria Inês Ghilardi- Lucena (2002), a imagem da mulher tem se modificado com o passar do tempo, mas o ideal de domesticidade ainda permanece. Essa mulher tem agora a possibilidade de pedir ajuda ao homem nas tarefas diárias, mas sua responsabilidade só aumentou, pois tem que dar conta de seu papel tradicional e também do novo.

Além disso, a beleza, ideal desejada pelas mulheres em todas as épocas, impõe modelos de perfeição cada vez mais difíceis de serem alcançados. Os meios de comunicação e a publicidade são responsáveis por divulgar e impor esses modelos. A beleza não é mais natural, mas sim, algo que pode ser comprado.

Se a mulher tem que ser bela, deve ser principalmente para ter sempre ao seu lado um companheiro (namorado, marido, amante). Tradicionalmente, ela apenas tornava-se atraente para ser conquistada. Agora, ela é quem conquista, num jogo de sedução em que é possível ousar, mas nem sempre se convém. A imagem de moça comportada está dando lugar à de mulher liberada. De conquistada a conquistadora (Ghilardi- Lucena, 2002.).

As contradições percebidas na condição da mulher na atualidade podem ser percebidas quando analisamos a representação de sua imagem nos meios de comunicação. Ao mesmo tempo em que querem colocar a mulher como ser independente, livre das antigas amarras, acabam recaindo num discurso que prova que as mudanças talvez não tenham sido incorporadas como se pensa.

Para McRobbie (2003), isso demonstra sinais da presença do pós-feminismo, que implica a co-existência de valores neo-conservadores em relação a gênero, sexualidade e vida familiar, com processos de liberação em relação à escolha e à diversidade nas relações domésticas, sexuais e de parentesco. Também abarca a existência do feminismo como algo que foi em algum momento transformado em uma forma de senso comum gramsciano, enquanto também foi ferozmente repudiado, quase odiado (MCROBBIE, 2003) O ‘levar em conta’ permite uma ampla desconstrução das políticas feministas e o descrédito das manifestações ocasionais para sua renovação.

21.6.08


O homem que pretende ser sempre coerente no seu pensamento e nas suas decisões morais ou é uma múmia ambulante ou, se não conseguiu sufocar toda a sua vitalidade, um mono maníaco fanático.

Aldous Huxley

Post-scriptum sur les sociétés de contrôle





I. Histórico

Foucault situou as sociedades disciplinares nos séculos XVIII e XIX; atingem seu apogeu no início do século XX. Elas procedem à organização dos grandes meios de confinamento. O indivíduo não cessa de passar de um espaço fechado a outro, cada um com suas leis: primeiro a família, depois a escola (“você não está mais na sua família”), depois a caserna (“você não está mais na escola”), depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o meio de confinamento por excelência. É a prisão que serve de modelo analógico: a heroína de Europa 51 pode exclamar, ao ver operários, “pensei estar vendo condenados...”. Foucault (foto acima) analisou muito bem o projeto ideal dos meios de confinamento, visível especialmente na fábrica: concentrar; distribuir no espaço; ordenar no tempo; compor no espaço-tempo uma força produtiva cujo efeito deve ser superior à soma das forças elementares. Mas o que Foucault também sabia era da brevidade deste modelo: ele sucedia às sociedades de soberania cujo objetivo e funções eram completamente diferentes (açambarcar, mais do que organizar a produção, decidir sobre a morte mais do que gerir a vida); a transição foi feita progressivamente, e Napoleão parece ter operado a grande conversão de uma sociedade à outra. Mas as disciplinas, por sua vez, também conheceriam uma crise, em favor de novas forças que se instalavam lentamente e que se precipitariam depois da Segunda Guerra mundial: sociedades disciplinares é o que já não éramos mais, o que deixávamos de ser.

Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um “interior“, em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional, etc. Os ministros competentes não param de anunciar reformas supostamente necessárias. Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. “Controle” é o nome que Burroughs propõe para designar o novo monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro próximo. Paul Virillo também analisa sem parar as formas ultrarápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado. Não cabe invocar produções farmacêuticas extraordinárias, formações nucleares, manipulações genéticas, ainda que elas sejam destinadas a intervir no novo processo. Não se deve perguntar qual é o regime mais duro, ou o mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujeições. Por exemplo, na crise do hospital como meio de confinamento, a setorização, os hospitais-dia, o atendimento a domicílio puderam marcar de início novas liberdades, mas também passaram a integrar mecanismos de controle que rivalizam com os mais duros confinamentos. Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas.


II. Lógica

Os diferentes internatos ou meios de confinamento pelos quais passa o indivíduo são variáveis independentes: supõe-se que a cada vez ele recomece do zero, e a linguagem comum a todos esses meios existe, mas é analógica. Ao passo que os diferentes modos de controle, os controlatos, são variações inseparáveis, formando um sistema de geometria variável cuja linguagem é numérica (o que não quer dizer necessariamente binária). Os confinamentos são moldes, distintas moldagens, mas os controles são uma modulação, como uma moldagem auto-deformante que mudasse continuamente, a cada instante, ou como uma peneira cujas malhas mudassem de um ponto a outro. Isto se vê claramente na questão dos salários: a fábrica era um corpo que levava suas forças internas a um ponto de equilíbrio, o mais alto possível para a produção, o mais baixo possível para os salários; mas numa sociedade de controle a empresa substituiu a fábrica, e a empresa é uma alma, um gás. Sem dúvida a fábrica já conhecia o sistema de prêmios mas a empresa se esforça mais profundamente em impor uma modulação para cada salário, num estado de perpétua metaestabilidade, que passa por desafios, concursos e colóquios extremamente cômicos. Se os jogos de televisão mais idiotas têm tanto sucesso é porque exprimem adequadamente a situação de empresa. A fábrica constituía os indivíduos em um só corpo, para a dupla vantagem do patronato que vigiava cada elemento na massa, e dos sindicatos que mobilizavam uma massa de resistência; mas a empresa introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável como sã emulação, excelente motivação que contrapõe os indivíduos entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo. O princípio modulador do “salário por mérito” tenta a própria Educação nacional: com efeito, assim como a empresa substitui a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola, e o controle contínuo substitui o exame. Este é o meio mais garantido de entregar a escola à empresa.

Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à caserna, da caserna à fábrica), enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e coexistentes de uma mesma modulação, como que de um deformador universal. Kafka, que já se instalava no cruzamento dos dois tipos de sociedade, descreveu em O processo as formas jurídicas mais temíveis: a quitação aparente das sociedades disciplinares (entre dois confinamentos), a moratória ilimitada das sociedades de controle (em variação contínua) são dois modos de vida jurídicos muito diferentes, e se nosso direito, ele mesmo em crise, hesita entre ambos, é porque saímos de um para entrar no outro. As sociedades disciplinares têm dois pólos: a assinatura que indica o indivíduo, e o número de matrícula que indica sua posição numa massa. É que as disciplinas nunca viram incompatibilidade entre os dois, e é ao mesmo tempo que o poder é massificante e individuante, isto é, constitui num corpo único aqueles sobre os quais se exerce, e molda a individualidade de cada membro do corpo (Foucault via a origem desse duplo cuidado no poder pastoral do sacerdote - o rebanho e cada um dos animais - mas o poder civil, por sua vez, iria converter-se em “pastor” laico por outros meios). Nas sociedades de controle, ao contrário, o essencial não é mais uma assinatura e nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha, ao passo que as sociedades disciplinares são reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de vista da integração quanto da resistência). A linguagem numérica do controle é feita de cifras, que marcam o acesso à informação, ou a rejeição. Não se está mais diante do par massa-indivíduo. Os indivíduos tornaram-se “dividuais”, divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou “bancos”. É o dinheiro que talvez melhor exprima a distinção entre as duas sociedades, visto que a disciplina sempre se referiu a moedas cunhadas em ouro - que servia de medida padrão -, ao passo que o controle remete a trocas flutuantes, modulações que fazem intervir como cifra uma percentagem de diferentes amostras de moeda. A velha toupeira monetária é o animal dos meios de confinamento, mas a serpente o é das sociedades de controle. Passamos de um animal a outro, da toupeira à serpente, no regime em que vivemos, mas também na nossa maneira de viver e nas nossas relações com outrem. O homem da disciplina era um produtor descontínuo de energia, mas o homem do controle é antes ondulatório, funcionando em órbita, num feixe contínuo. Por toda parte o surf já substituiu os antigos esportes.

É fácil fazer corresponder a cada sociedade certos tipos de máquina, não porque as máquinas sejam determinantes, mas porque elas exprimem as formas sociais capazes de lhes darem nascimento e utilizá-las. As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples, alavancas, roldanas, relógios; mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamento máquinas energéticas, com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem; as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática e computadores, cujo perigo passivo é a interferência, e o ativo a pirataria e a introdução de vírus. Não é uma evolução tecnológica sem ser, mais profundamente, uma mutação do capitalismo. É uma mutação já bem conhecida que pode ser resumida assim: o capitalismo do século XIX é de concentração, para a produção, e de propriedade. Por conseguinte, erige a fábrica como meio de confinamento, o capitalista sendo o proprietário dos meios de produção, mas também eventualmente proprietário de outros espaços concebidos por analogia (a casa familiar do operário, a escola). Quanto ao mercado, é conquistado ora por especialização, ora por colonização, ora por redução dos custos de produção. Mas atualmente o capitalismo não é mais dirigido para a produção, relegada com frequência à periferia do Terceiro Mundo, mesmo sob as formas complexas do têxtil, da metalurgia ou do petróleo. É um capitalismo de sobre-produção. Não compra mais matéria-prima e já não vende produtos acabados: compra produtos acabados, ou monta peças destacadas. O que ele quer vender são serviços, e o que quer comprar são ações. Já não é um capitalismo dirigido para a produção, mas para o produto, isto é, para a venda ou para o mercado. Por isso ele é essencialmente dispersivo, e a fábrica cedeu lugar à empresa. A família, a escola, o exército, a fábrica não são mais espaços analógicos distintos que convergem para um proprietário, Estado ou potência privada, mas são agora figuras cifradas, deformáveis e transformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes. Até a arte abandonou os espaços fechados para entrar nos circuitos abertos do banco. As conquistas de mercado se fazem por tomada de controle e não mais por formação de disciplina, por fixação de cotações mais do que por redução de custos, por transformação do produto mais do que por especialização da produção. A corrupção ganha aí uma nova potência. O serviço de vendas tornou-se o centro ou a “alma” da empresa. Informam-nos que as empresas têm uma alma, o que é efetivamente a notícia mais terrificante do mundo. O marketing é agora o instrumento de controle social, e forma a raça impudente dos nossos senhores. O controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. O homem não é mais o homem confinado, mas o homem endividado. É verdade que o capitalismo manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade, pobres demais para a dívida, numerosos demais para o confinamento: o controle não só terá que enfrentar a dissipação das fronteiras, mas também a explosão dos guetos e favelas.


III. Programa

Não há necessidade de ficção científica para se conceber um mecanismo de controle que dê, a cada instante, a posição de um elemento em espaço aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (coleira eletrônica). Félix Guattari imaginou uma cidade onde cada um pudesse deixar seu apartamento, sua rua, seu bairro, graças a um cartão eletrônico (dividual) que abriria as barreiras; mas o cartão poderia também ser recusado em tal dia, ou entre tal e tal hora; o que conta não é a barreira, mas o computador que detecta a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal.

O estudo sócio-técnico dos mecanismos de controle, apreendidos em sua aurora, deveria ser categorial e descrever o que já está em vias de ser implantado no lugar dos meios de confinamento disciplinares, cuja crise todo mundo anuncia. Pode ser que meios antigos, tomados de empréstimo às antigas sociedades de soberania, retornem à cena, mas devidamente adaptados. O que conta é que estamos no início de alguma coisa. No regime das prisões: a busca de penas “substitutivas”, ao menos para a pequena delinqüência, e a utilização de coleiras eletrônicas que obrigam o condenado a ficar em casa em certas horas. No regime das escolas: as formas de controle contínuo, avaliação contínua, e a ação da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da “empresa” em todos os níveis de escolaridade. No regime dos hospitais: a nova medicina “sem médico nem doente”, que resgata doentes potenciais e sujeitos a risco, o que de modo algum demonstra um progresso em direção à individuação, como se diz, mas substitui o corpo individual ou numérico pela cifra de uma matéria “dividual” a ser controlada. No regime da empresa: as novas maneiras de tratar o dinheiro, os produtos e os homens, que já não passam pela antiga forma-fábrica. São exemplos frágeis, mas que permitiriam compreender melhor o que se entende por crise das instituições, isto é, a implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação. Uma das questões mais importantes diria respeito à inaptidão dos sindicatos: ligados, por toda sua história, à luta contra disciplinas ou nos meios de confinamento, conseguirão adaptar-se ou cederão o lugar a novas formas de resistência contra as sociedades de controle? Será que já se pode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de combater as alegrias do marketing? Muitos jovens pedem estranhamente para serem “motivados”, e solicitam novos estágios e formação permanente; cabe a eles descobrir a que estão sendo levados a servir, assim como seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas. Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira.



Gilles Deleuze
Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro, Editora 34, 1992, p. 219-226. Tradução de Peter Pál Pelbart. Texto original "Post-scriptum sur les sociétés de contrôle" escrito para L'autre journal, nro 1, maio de 1990, e publicado em Pourparlers, Les éditions de Minuit, 1990, pp. 240-247.

(o desenho é do BLU)

20.6.08


Aqui vai um texto que NÃO me convenceu à primeira vista, mas fui observando as relações ao meu redor e acabei dando o braço a torcer(mas ainda prefiro ficar desconfiada - pelo bem da "inocência/ingenuidade" ;] ).Paulo Ghiraldelli diz, pra resumir toscamente, que as mulheres (principalmente elas, mas Eles tb) feias, sentem inveja e até preconceito das mulheres bonitas e por isso a sabotam de várias maneiras. Parece meio idiota. Mas as pessoas são idiotas huahau

(muito interessante o que ele diz sobre procurar doenças em criminosos para livrar-nos da possibilidade de que o ser humano seja assim mesmo)


por Paulo Ghiraldelli Jr. “O filósofo da cidade de São Paulo”. e-mail pgjr23@gmail.com

A menina de 14 anos queimada pela de 16, em uma escola pública da cidade de São Paulo nesta semana de março, foi ferida brutalmente por ser bonita. Era tida como “a mais bonita da escola”. Todos que deram depoimento ali na escola apontaram isso: ciúmes, sim, mas antes de tudo, inveja. Ela seria agredida, mais cedo ou mais tarde. Teria de ter sorte de passar pela juventude sem despertar o ódio. A beleza do homem cai como uma luva para ele, e pode lhe salvar a vida, talvez. Foi isso que disse no caso do filho da líder do Paquistão, quando clubes de fãs vieram em sua proteção pela Internet. Todavia, a beleza da mulher não lhe cai como uma luva; não raro é uma sina. Os que a atacam estão longe de serem doentes. A visão da psicóloga entrevistada pela Rede Globo é ridícula, sem conhecer os fatos e as pessoas montou um quadro patológico precoce. A velha linha de raciocínio: mais doença em criminosos, até o ponto de inocentá-los.

Procurar doenças em criminosos é parte da ciência moderna psicologizante. Já se fez de tudo para não aceitar Hitler como humano, de modo a tirá-lo da condição que é a nossa. Não podemos ver Hitler como humano, pois a filosofia nunca conseguiu um argumento contra ele que fosse definitivo. Então, buscamos na psicologia. Ela decretou que Hitler deveria ser doente, e então nos tirou todos do pecado. Seríamos diferentes – ufa! Será?

O ciúmes é apenas a ponta do iceberg que é o problema real que levou a jovem atacar a outra com fogo, e não com uma faca ou com o compasso, que ela também tinha na mão. Gasolina e fogo deveriam dar conta não da vida de Grazielli, mas de sua beleza. A inveja estava ali como o alimento do demônio. A ciência não quer falar de inveja. E certas formas de sociologia – o marxismo à frente – também não. Reduziram a inveja a um elemento contingente, que “não explica nada”, e então ele não pode contar como o que realmente está na base do crime contra Grazielli, e outros semelhantes. Pois quando evocamos a inveja, temos de admitir que ela é humana, que não está fora do mundo, que não tem a ver com uma doença e, então, ser esporádica. Uma vez trazida à tona, a inveja é vista por todos nós como um sentimento que já tivemos. E então, nos envergonhamos. Não suportamos ver outros como estrelas, e não nós, em algum sentido. E então não queremos trazer a inveja para o campo dos elementos válidos no jogo de crimes e desacertos. Pois isso nos provoca interiormente, revira nosso passado, fustiga nosso presente – maldito espelho! --[isso me faz lembrar o papo da Vaidade q publiquei esses dias..]--

Delegamos a inveja para o conto de fadas. A Rainha má era linda, mas Branca de Neve era mais bonita ainda. Sim, podemos falar da inveja aí. Pois, nesse caso, o conto é visto como pré-moderno e, quando posto no cinema pela modernidade de Disney, é para crianças. A ciência não pode evocar a inveja. A guerra da beleza e as armas da inveja não são elementos da ciência. Agora, uma patologia psicológica qualquer, ah, aí sim, resolve o caso. Tudo estaria resolvido no caso do fogo ateado contra Grazielli. Basta chamar a “medicina da cabeça” e colocar nas mãos da menina incendiária um chapéu de Napoleão. O manicômio ou a clínica de recuperação é a salvação não do doente, mas a salvação nossa. Escapamos assim da condição de sermos como Hitler ou de termos filhos como a menina agressora.

Mas, aí, desprezamos o senso comum? O senso comum que insiste em falar de ciúmes e, então, aponta para beleza de Grazielli, estaria totalmente errado? O ciúme não é a inveja. Quem tem ciúmes está em um triângulo amoroso ou algum outro triângulo de relacionamento; quem tem inveja não necessariamente está em um triângulo. A inveja é a inveja do outro – há uma relação a dois nesse caso. O outro é belo, dele emana luz – eu o invejo. Por isso, a beleza de Grazielli, e não necessariamente Grazielli, tem de desaparecer. Queimar Grazielli é a saída mais óbvia. Foi o que foi feito.

Mais cedo ou mais tarde a beleza de Grazielli iria não só abrir portas, mas fechá-las. Ou então abrir alçapões. A beleza das mulheres, especialmente de meninas, é a fonte de vários tipos de discriminação. Quando são inteligentes, precisam provar. Quando são tolas, devem assim permanecer. Quando são espertinhas, devem ser tomadas como putas. “A beleza merece viver” – foi isso que escrevi no caso do filho de líder Paquistão. Mantenho a frase, mas, no caso da mulher, acrescento: que viva para que possamos ver sua beleza desaparecer, pelo tempo. Essa é a vingança dos comuns e feios. No caso de Grazielli, a invejosa não quis ter o tempo como aliado.

A inveja é um sentimento comum. Mas não deveria ser premiado. No Brasil ela é premiada. Entre nós, todos que possuem inveja se conhecem, sem que precisem trocar palavras. Em uma reunião de trabalho, os invejosos se entreolham e escolhem o mais belo ou a mais bela como alvo. Caso essa beleza ainda venha agregada à juventude, então as mulheres mais velhas, em especial as feias, começam seus planos malignos. Mulheres bonitas que percebem isso desenvolvem um aspecto marcial, com fala pouco espontânea. Não raro, ocupam depois cargos públicos de mando. Tentam competir em um terreno onde as feias e envelhecidas entendem que seja terreno destinado a elas – somente. A universidade, o banco, a escola, o escritório, o consultório, o hospital – em todos esses lugares há a luta entre os feios contra o bonito. Ou melhor: a guerra das feias contra a bonita. A inveja está ali. Ela corrói cada alma.

Há feios que se transformam em estrelas. São compensados pela falta de beleza tendo algum talento. Uma vez vitoriosos, conseguem superar a inveja. Há os feios que colecionam derrotas o que só sabem valorizar suas derrotas. Esses são perigosos. Mas não os vemos em seus pensamentos. A não ser que sejamos invejosos. Só os invejosos se comunicam com os invejosos sem a palavra. Eles são uma rede, e formam uma comunicação que se dá apenas pelos olhares. Às vezes, nem precisam dos olhares. Formam uma cadeia telepática. Entram no tabuleiro já em conjunto, enquanto que o belo e, principalmente a bela, entra só. Vai perder. Será queimada.

Diderot dizia que o talento é imperdoável. Sim. Eu prefiro parafraseá-lo dizendo que a beleza é imperdoável. A beleza pode ser exibida. As pessoas podem chamar alguém de “linda”. Mas a feiúra é protegida por leis. Leis que Nietzsche identificou como próprias da “modernidade”. Ninguém pode chamar o outro de “feio”. Os americanos usam de um eufemismo, “loosers” e “winners”, e então conseguem alguma catarse. Seus adjetivos apontam para algo maior. Sendo algo maior, não envolvem só a beleza e a feiúra, mas exatamente por isso eu chamo isso de eufemismo. No Brasil não temos esse recurso, uma vez que também somos proibidos de falar em “perdedor” e “vencedor”. É antidemocrático falar assim. Não podemos chamar uma criança burra de burra. E ensinamos as outras crianças a também não dizer isso. Queremos que não sejam “cruéis”. Mas é preciso saber lidar com a crueldade, pois quando a reprimimos de um lado, ela pode apontar sua cabeça de outro. E a inveja pode ser seu alimento e estopim.

Enquanto não admitirmos que somos invejosos e enquanto as mulheres feias não admitirem que elas são preconceituosas com as bonitas e, até mesmo, perigosas, estaremos longe de ter uma sociedade saudável. E a reação das feias a esse artigo, vocês verão, será violento, ranzinza e … despeitado. As feias reagirão. As bonitas de todo tipo, superiores, aplaudirão. As bonitas e ingênuas, que fiquem atentas contra o fogo.



Quando o dedo aponta para o céu, o idiota olha para o dedo!

do filme "o fabuloso destino de amélie poulain"
"...E assim, o progresso da técnica tira do homem a profundidade filosófica e espiritual. Poder-se-ia dizer “superficial como um cosmopolita”, “superficial como um metropolitano” etc., pois o homem moderno tem a profundidade de um rótulo. Essa superficialidade tem toda relação com o progresso tecnológico entronizado, isto é, endeusado como se ele pudesse, ou viesse para substituir o amor, por exemplo.(...)"

cesar miranda

coisas q anotei, e nao lembro de onde tirei:

"A sociedade de bem-estar social foi parar num buraco, extasiada com o consumo e o progresso, criando o chamado homem unidimensional: acrítico e conformista. Uma sociedade que se diz respeitadora da democracia, mas esconde a barbárie em forma de totalitarismo do capital e do pensamento único"

"Carros que você pode amar demais, pasta de dentes sentimentais e desodorantes sexuais. Qual é a mensagem?"

19.6.08


"Tão pobres somos que as mesmas palavras nos servem para exprimir a mentira e a verdade."

Florbela Espanca


De um texto do Ignácio Ramonet, alguns parágrafos:

"(...) Como na Palestina e no Líbano, o islamismo radical está em expanção no 'pólo de perturbações'. Com seus diversos elementos, e apesar de todas as reservas que pode inspirar, ele constitui a principal força política a opor-se às armas e à dominação imperialista dos EUA. Enquanto ideologia messiânica para o sucesso futuro, pela qual os militantes estão dispostos a sacrificar a própria vida, em parte o islamismo radical toma o lugar do que foram, por exemplo, o anarquismo ou o comunismo do século 19 e 20.Ainda que esta comparação possa chocar..."
(...)
"...A concorrência das empresas destes países (os ditos subdesenvolvidos em desenvolvimento) torna-se mais ameaçadora. Já existem cerca de 25 multinacionais globais nos países do hemisfério Sul e,em breve, haverá uma centena. As ofertas espetaculares de aquisição vão se multiplicar, como a do grupo chinês National Offshore Oil, que foi impedido de comprar a petroleira estadunidense Unocal, ou a fusão da siderurgica indiana Mittal Steel com a Arcelor européia.
Conseqüentemente, pode-se apostar que a globalização está se aproximando do final de um ciclo. Com seu dinamismo atual, ela poderia ameaçar o domínio das velhas potências de sempre. Portanto, uma nova onda de protecionismo não deve ser excluída..."
(...)
"... Neste sucinto panorama da nova situação mundial, estes fatos - alerta quantoàs alterações climáticas e o fim da era do petróleo - anunciam-se para a humanidade como dois dos maiores desafios a serem enfrentados."

.

17.6.08

mirror mirror...


um amigo de um amigo meu falou na mesa de bar que ele acredita que por trás (ou o Porquê) de todas as nossas ações está a Vaidade. Vale (muito) a pena pensar sobre....

Lembrei dele qdo li isso:

O avestruz não emite som. Se estivermos no zoológico, eles vão vir correndo até nós. Vão abrir e fechar a boca, como se tivessem algo pra falar. Mas não falam nada! Pelo menos não que a gente escute. E isso nos angustia. Mas na verdade, o que os avestruzes querem é o que todos queremos. Falar de si. Dizer "como comeram, como dormiram, como correram até a cerca e o que viram atrás dela". Nós estamos do outro lado da cerca, e não temos o menor interesse em ouvir um avestruz falando de si.

e aqui vai outro, do Matias Aires (q não é o matias rempel hehe)

A fortuna nos dispõe para a alegria, mas não é só o que causa; a desgraça conduz para a tristeza, porém não é só, o que a motiva; antes parece que há uma certa porção de alegria, e de tristeza, que há-de passar por nós precisamente; a fortuna, e a desgraça não a produz, só a desperta. Tudo nos é dado como por conta: a vida, a fortuna, a desgraça, a alegria, e a tristeza; em tudo há um ponto certo, e fixo; a vaidade que governa todas as paixões, em umas aumenta a actividade, em outras diminui; e todas recebem o valor, que a vaidade lhes dá. Estamos no mundo para ser alvos do tempo; e deste todas as mudanças não se dirigem a nós, dirigem-se à nossa vaidade: os sucessos fazem efeito em nós, porque primeiro o fazem na nossa vaidade; de sorte que um homem sem vaidade seria o mesmo que um homem insensível; o prazer, e o desgosto, que não vêm das primeiras leis da natureza, são vãos em si mesmos, de instituição política, e unicamente criadoras de vaidade.

Matias Aires, in 'Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens e Carta Sobre a Fortuna'


[Em Reflexões sobre a vaidade dos homens e Cartas sobre a fortuna, de 1752, Aires observa que a vaidade é uma força perniciosa e útil, algumas vezes antagonista da virtude. Outras, sua aliada. É uma paixão, enfim, mas também uma forma de inveja. Segundo Aires, de todas as vaidades, a mais vã é a do saber, porque o conhecimento representa no homem o que ele possui de mais sublime, mas nada o envaidece mais do que se mostrar superior aos demais pelo seu intelecto. O autor denuncia os intelectuais pedantes e os pseudo-intelectuais; os que por meio de sofismas, usam um discurso fácil com arrogância; os que demonstram por vaidade um conhecimento que não possuem e os que querem ofuscar os demais. Na república das Letras não há menos vaidade que na república das armas, só que nas letras a vaidade se manifesta nos discursos, sendo a disputa imaterial e, portanto, fruto da imaginação e da metafísica. O render-se nas letras é o mesmo que confessar ignorância. As armas fazem rumor, as letras, estrago; as armas fazem o mal e com ele acabam, as letras fazem o mal que dura; as armas cansam-se, as letras não. As ações dos heróis não durariam um século, se não houvesse uma pena ilustre para as imortalizar , mantendo vivas na escrita, ações passadas e mortas.]


Não há graus de vaidade, apenas graus de habilidade em disfarçá-la.

Mark Twain

A vaidade é sempre sincera. A modéstia nem sempre.

Valter da Rosa Borges

agora a definição da wikipedia, q não podia faltar hehe

Vaidade é o desejo de atrair a admiração das outras pessoas. Uma pessoa vaidosa cria uma imagem pessoal para transmitir aos outros, com o objetivo de ser admirada. Mostra com extravagância seus pontos positivos e esconde seus pontos negativos.

A vaidade é mais utilizada hoje para estética, visual e aparência da própria pessoa. A imagem de uma pessoa vaidosa estará geralmente em frente a um espelho, a exemplo de Narciso.

Uma pessoa vaidosa pode ser gananciosa, por querer obter algo valioso, mas é só para causar inveja nos outros.

O que pelas lentes de alguns é asseio, ou glamour, ou fantasia, ou amor ao belo, ou elevação da auto-estima, pelas lentes de outros pode ser (parecer) vaidade. Nos Ensaios de Montaigne há um capítulo sobre a Vaidade.

A Vaidade (também chamada de Orgulho ou Soberba) é considerada o mais grave dos pecados capitais.



-> deve ser por isso q livros (ridículos) de auto-ajuda sobre "como fazer amigos" ensinam que para agradar/conquistar o outro devemos sempre demonstrar O MAIOR interesse pelo que ele fala,pela sua vida e tudo q se relacione com ele.... ou seja tratar bem da sua vaidade.

15.6.08

FILHO DA .....



Depois de 12 dias de atraso, a bendita veio. Já estou me acostumando com esses sustos e entendendo que sou desregulada mesmo hehe. Fim da angústia, já posso saltitar faceira por aí huahauha

Paulo Ghiraldelli Jr. “o filósofo da cidade de São Paulo” escreveu isto no dia das mães. Finalmente alguém tem culhões para publicar esta verdade num blog de grande visitação:


SER
mãe é padecer no Paraíso. Não acho que exista uma frase mais correta que essa quando se trata de dito popular. Ser mãe não é padecer em qualquer lugar, mas no Paraíso. Padecer em qualquer lugar é a condição de todos que, estando na Terra, podem pegar no país uma inflação, podem estar sujeitos a uma gripe ou ao atropelamento ou, ainda, a uma traição de amigos – há infinitas desgraças na Terra. Mas, e no Paraíso? O Paraíso é o local em que tudo vai bem. O sofrimento ali é o sofrimento mais duro, pois aparece não como comum, e sim como maldição. Onde o sofrimento não cabe de modo apropriado, alguém ali, isoladamente, sofre calado, e então o padecimento no Paraíso é duro mesmo, pois é o sofrimento absurdo.


Nossa sociedade elegeu como rei a criança, o filho, e tortura as mulheres com a idéia de que elas devem ser mães. As mulheres engolem essa idéia de tal maneira que acreditam mesmo que há felicidade em ser mãe. Algumas ficam com tanto ódio de terem sido mães que, quando lêem artigos como este meu aqui, não se revoltam contra a própria estupidez de terem jogado a vida pessoal fora sendo mães, mas se revoltam contra mim, pois não gostariam de escutar a verdade.

Procriar deveria ser algo normal e comum. Na maioria das vezes é isso.
E termos feito da criança um reizinho que tudo pode não mudou a regra de usarmos das crianças como quem usa um objeto – uns usam as crianças para preencher casamentos vazios, outros as utilizam para escravizar ou simplesmente jogar no lixo quando nascem ou, ainda, há os que procriam apenas para pegar todo tipo de bolsa oferecida por um governo. Todavia, por maiores que sejam as desgraças que fazemos as crianças sofrerem, a idéia da criança-rei não é alterada. Ele é dominante. Ela veio com o romantismo de Rousseau e se adaptou bem à sociedade moderna, tão desejosa de ver a população aumentada e bem cuidada, para ter mais mão de obra com preço reduzido à disposição. Essas duas leis, a das idéias e a da economia, trouxeram para as mulheres – e agora para os homens – a ideologia da maternidade e da paternidade.


A ideologia da maternidade e da paternidade é uma ideologia no sentido mais correto e forte da palavra. Uma doutrina que diz coisas corretas, mas que, ao buscar ser universal e absoluta, se faz – mas não se mostra, é claro – incorreta até nos detalhes corretos. Essa ideologia diz que a mulher deve ser mãe. E diz que o homem deve ser pai. Tudo que é feito para os bípedes sem penas brilharem lhe são tirados, e lhes resta casamentos – que podem ser desfeitos – e filhos, que não podem ser descartados. Filhos, filhos e filhos – eis o anúncio que soa como o das “pamonhas, pamonhas e pamonhas”. Pois, porque dizer “pamonhas” repetidamente? Bastaria dizer: Vendemos pamonhas. Pronto. Mas essa coisa de repetir é realmente dose para leão. E o caso dos filhos é isso: todo mundo repete que uma vida só é preenchida com filhos. Ora, em resposta eu digo: um filho só é uma burrice. Dois, um crime. Antes ser burro apenas. Ou burra. Não estou xingando você, leitor: eu tenho dois filhos!


Ah, tem mulher inteligente cujo “ter filho” é o gancho para ser sustentada por um famoso cantor de Rock? Cuidado, o golpe da barriga mais deu azar que sorte. Não é todo mundo que acertou com ele. Cuidado mesmo!


Aliás, acho que veio dos americanos – que possuem obsessão com a família – essa conversa fiada de que uma vida completa nós só a realizamos quando plantamos uma árvore, escrevemos um livro e temos um filho. Plantei um monte de árvores e a prefeitura cortou. Algumas até meus entes queridos cortaram! Escrevi um monte de livros – não fiquei satisfeito, estou fazendo mais. Só o último ficou bom, mas já estou achando que o próximo será melhor. Tive filhos. Em alguns momentos, fui não só pai deles, mas mãe. Sabem o que eu digo, não? Não há nada pior para a mãe do que ser mãe; imagine então, para o pai, ser mãe! Um dia ainda descubro o inventor da frase dos três deveres e lhe dou uma boa surra. Caso ele tenha filhos, estes é que vão apanhar. Netos também. Baterei nessa família maldita produtora de frases criminosas.


Ser mãe é padecer no paraíso. É isso, de fato. Filhos ficam vagabundos e drogados. Alguns vão para a cadeia, e no dia das mães eles saem da cadeia e, em vez de verem mamãe, aproveitam para mais furtos! Não importa a classe social, esse tipo de desgosto com filhos nós encontramos em todos os setores sociais. E até na sorte há a desgraça com filhos: as mulheres anarquistas do início do século diziam: “greve de úteros contra a guerra”. Afinal, de que adiantava ter filhos e amá-los se eles teriam de se alistar?


Steven Spielberg é hoje aquele que mais incorporou a idéia de responsabilizar os pais (é certo que é mais a figura paterna, não a materna) por tudo, e de espraiar sentimento de culpa pelo mundo. Todos os seus filmes possuem a idéia básica de jogar sentimento de culpa sobre pais, de alguma forma. Disney elegeu a infância em associação com a natureza para o reinado que já estava em germe em Rousseau. Spielberg completou o maldito quadro fazendo o rei-criança ser o fraco de Nietzsche, cujo trabalho é o de corroer todo tido de sentimento altivo que possamos ter. Diante desse reizinho, só temos uma regra: abaixar a cabeça e nos sentirmos devedores.


O dia das mães é exatamente isso: todas as mulheres do mundo são massacradas. E se nós, homens, não tomarmos cuidado, vamos de embrulho nisso. As lojas exigem das mulheres que elas sejam mães, mas ao mesmo tempo cozinheiras que não perderam o charme. E, não raro, que saiam no dia seguinte para trabalhar fora, sustentar a casa, e depois voltar para ser mãe. Bom, à noite, se quiserem manter o casamento, que deixem logo o papel de mãe de lado e façam a puta na cama que é o que todo marido sadio deseja (o que não deseja isso, aviso a você, mulher e mãe: ele é gay). Caso não seja assim, ele vai procurar outra. Na rua, ele transforma a puta em mãe. Alguns desgraçados que procuram putas acabam fazendo delas mães: em vez de curtirem como curtiram a masturbação diante da revista Playboy, fazem das “mulheres de vida fácil” o que fariam com suas mulheres de vida difícil: as tornam mães – literal e metaforicamente. Metaforicamente, no caso, é até pior.


Ser mulher não é algo difícil. O feminismo está errado nisso. Ser mulher é difícil por causa de que as mulheres teimam em não usar pílulas, camisinhas e, agora, a fantástica e abençoada “pílula do dia seguinte”. Tudo isso evita o drama maior do aborto. Evita o drama maior de ter de levar criança na escola. Evita a desgraça terrível de ser xingada pelo filho quando este se torna adolescente – e quer mais drama amargo que este?


Caso alguém comemore com alegria esse dia das mães, é por que é burro. Comemore esse dia com sua mãe. Tente não ser a desgraça que é na vida dela. E só. Já fez muito. E com sua mulher? Ah, evite fazê-la mãe, sua besta.



14.6.08

A construção do corpo da mulher




por Paulo Ghiraldelli

Stephen Marche não gostou de ver Megan Fox como a mulher mais sexy do mundo na classificação da For Him Magazine (FHM). Ele criou várias objeções que, penso, acredita serem de ordem da boa sociologia feminista, para então lembrar as questões de objetificação, que seriam o pecado de sempre de revistas como FHM. Velhas objeções – ele mesmo confessa. Todavia, ele acredita que elas são ainda válidas.

Mas, o interessante de seu texto não é isso, e sim algo que eu poderia ver como mais novo na crítica a publicações como a FHM.

Ele começa com a crítica batida. Lança mão da idéia de que essas revistas padronizam a mulher,
que não possuem imaginação, reproduzem sempre o mesmo modelo, criam manequins de loja ou bonecas de plástico e não mulheres reais. Até aí, nada de novo. Do meio para o final do artigo, ele melhora: diz que revistas como FHM não são para homens, e sim para garotos – de no máximo quinze anos. Sua tese é a de que o gosto masculino adulto ou, melhor dizendo, de homens experientes, não segue o que é dado pela FHM. Os homens não teriam o gosto tão unificado quanto o desejo da revista. Os homens, diz ele, tem gostos voláteis pelas mulheres, mudando da noite para o dia e, enfim, alterando sucessivamente tal impulso, indo para figuras de mulheres que poderiam ser de vários tipos. Marche não diz isso claramente, mas o que pensa poderia ser expresso assim: o homem, o macho, procura a mulher viva.

Estar vivo significa estar sujeito às vicissitudes do tempo e do espaço. Portanto, gordura e rugas nas mulheres não seriam problemas para os homens experientes, maduros, ou simplesmente adultos. Se eu pudesse
colocar em termos marxistas, eu traduziria a crítica de Marche assim: a reificação e o fetichismo só nos atingem até os quinze anos. Depois, nos libertamos disse, sabe-se lá por qual razão. Bem, no caso de Marche, ele até diz a razão: ficamos adultos e descobrimos que mulheres ideais não existem.

Essa parte de Marche é a melhor de seu texto. Eu poderia concordar com Marche. Mas não vou. Há algo que me incomoda nessa sua crítica a tipos criados como a FHM faz, ou o que outras revistas também fazem, de tempos em tempos. Sei bem que Lara Croft já foi ídolo sexy para garotos. Sei bem que o tipo de filme que colocou Megan Fox como sexy é um filme para garotos (Transformers). Também concordo com Marche quanto ao fato dela dirigir um Camaro 76 no filme e, então, estabelecer todas as poses necessárias para o gosto da mentalidade jovem, o que lhe teria trazido ao julgamento positivo de FHM. Todavia, não creio que Megan Fox não seja uma construção admirável para adultos. E não vejo falta de imaginação ou plasticização e robotização de Fox como Marche vê.

As fotos mostram, de fato, que Fox foi reconstruída: em parte por cirurgias plásticas, em parte pelo próprio filme e disposições fotográficas. Mas a reconstrução não é só para garotos de quinze anos e nem é pouco inteligente. Na verdade, a reconstrução – conscientemente ou não – trabalhou muito bem com o imaginário histórico masculino. Megan Fox lembra várias outras personagens de êxito no mundo do cinema, não como atriz, mas segundo ângulos que pode produzir em suas fotos. Que o leitor me acompanhe.

A boca de Megan Fox tenta ser tão carnuda quanto a de Angelina Jolie, mas o formato busca outras paragens. No limite, é Brigite Bardot que se esconde ali. Os olhos tendem a não nos fazer esquecer da ainda bela Catharine Zeta-Jones. E o nariz não perde para o modelo de Rachel Welch. Aliás, em vários momentos ela também lembra bem o olhar um tanto perdido e o imperdível jeito de menina de Jennifer Conelly.

Assim, o segredo das construções corporais atuais, seja pela via da cirurgia plástica seja pela via do photoshop (e em ambos os casos, contando com bons diretores e bons fotógrafos para a produção das melhores poses e ângulos) está em saber olhar para o passado. Mas não para qualquer passado, e sim para aquele que formou o imaginário que viemos a chamar de “a beleza feminina”. E o que, agora, é o "sexy".

Talvez o que tenha confundido Marche e, de certo modo, esteja criando problema para outros, é a transição da palavra “bela” para a palavra “sexy”. No passado falávamos na mulher “mais bela”, hoje falamos na mulher "mais sexy”. Claro que isso, essa transição, não poderia deixar de ocorrer. “Bela” tornou-se uma palavra de difícil aceitação na medida em que a própria arte, que deveria expor o belo, passou a tomar a obra de arte como aquilo que poder ser obra de arte sem dar a mínima atenção para a beleza, como observa o filósofo Arthur Danto. Além do mais, “bela” nunca foi uma palavra que conseguiu se libertar, ao todo, da idéia de “mensuração”. O belo dos concursos de beleza feminina era algo que passava pelo crivo da fita métrica. O belo engessava a beleza feminina. Então, ao contrário do que pensa Marche, viemos a navegar no campo do sexy em busca da fuga de padrões. Com a palavra “sexy” pudemos nos adequar ao vivo e, ao mesmo tempo, ao artístico em sua nova acepção. Pudemos, também, nos deixarmos escapar do campo do apolíneo e adentrar pelo campo do dionisíaco. A falta de harmonia nos deu outro tipo de harmonia. Pequenos exageros aqui e ali fizeram da mulher capaz de satisfazer, mesmo em situações de apresentação pública, a necessidade de lembrar deleites da situação privada.


A construção de Megan Fox pode ser passageira. Talvez ela não esteja mais presente em 2009 ou mesmo ao final de 2008. Não parece ser nenhuma Julia Roberts. Muito menos revelar a precocidade de Dakota Fanning. Isso não está em questão. O que se coloca aqui é aquilo que Marche não percebeu: que nossa época é uma época que corpos não se fazem naturalmente, mas são construídos. E que não morrem, pois podem ser recuperados em novas construções. E que isso é uma boa imaginação de nossa época - para adultos, como não?

Talvez Marche imagine que "a mulher mais sexy do ano" tenha de despertar desejo. Mas isso não é verdade. A mulher sexy é apenas a substituta da mulher bonita dos concursos de Miss Universo e correlatos. Essas mulheres não são mostradas para estimular o desejo, elas são peças exclusivamente da estética do momento. A estética de nossos dias é devedora da desterritorialização, como já escrevi em outro lugar (Filosofia da Percepção Social). Isso quer dizer que a montagem de personagens vivos a partir de partes de mulheres reais do passado, em função da criação de uma mulher real do presente, é algo que desponta como um fenômeno de revistas como a HFM não como elemento para a excitação, mas como uma espécie de galeria de arte. No caso, a arte é a construção que o artista faz com seu próprio corpo. De mulher do teatro ou cinema ou TV, ela se torna escultura, pintora e fotógrafa de si mesma (com ajuda de outros, é claro). Ela literalmente se produz. É uma produção que vai muito além da maquiagem. É uma produção que visa construir a si mesma durante um tempo; e esse tempo pode durar enquanto dura o seu personagem em determinado filme, ou o seu personagem principal - ela própria.

Se começarmos a perceber isso, daremos bons passos para entender isso que alguns acham um tédio, que são as imagens da mulher sexy do ano. Da minha parte, isso não tem nada de entendiante.


"São precisamente as perguntas para as quais não existem respostas que marcam os limites das possibilidades humanas e traçam as fronteiras da nossa existência".

Milan Kundera

A IMORTALIDADE


no meio dessa semana que passou, terminei de ler um livro do Milan Kundera, um autor muito bem quisto e sempre indicado por um conhecido meu . O livro é A Imortalidade.
Como de costume, depois de ler um livro, escrevo uma resenha sobre, ou uma crítica.
Confesso que com este livro me foi difícil juntar as inúmeras frases que me saltavam na mente. Como não tinha a pretensão de mostrá-la a ninguém, escrevi uma resenha dadaísta mesmo (hauhaua).
Depois de escrever os apontamentos ou conclusões dos livros que leio, gosto de ver na internet o que é dito sobre aquilo que li. É uma experiência enriquecedora que recomendo a todos.
Posto aqui uma colagem dos comentários que "googlei" e, percebendo a diferença entre eles, entenderão o por quê que só me foi possível escrever apontamentos "dada".
--Tive o cuidado de só colar as partes que fazem reflexões interessantes e que não exija a leitura prévia do livro.

por há sempre um bom livro (blogspot):
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(...)
Para Milan Kundera, o desejo de imortalidade, de permanecer na memória colectiva depois do desaparecimento do mundo terreno, condiciona todos os gestos da humanidade, desde o desejo de fazer-se notar, através da emissão de opiniões marcadas por um fanatismo militante, ao uso do ruído – visual ou auditivo – para chamar a atenção e fixar-se na memória dos demais. Algo que é contrariado pela sociedade que nos molda e nos obriga a submeter-nos às mesmas regras (ex: a censura alheia quando contrariamos a atitude da maioria), um paradoxo da sociedade onde vivemos a qual, ao defender a liberdade de expressão obriga, na realidade, à uniformidade de gestos e atitudes. Ao conformismo.
(...)
Este é um livro extremamente difícil de comentar, uma vez que o Autor se propõe escrever um romance que não possa ser contado. Trata-se de uma narrativa não linear, onde não existe uma trama principal mas várias, que se cruzam no espaço e no tempo, onde o autor – que é, também uma personagem – intervém e interage com as outras personagens. Este é sobretudo um observador não participante a analisar detalhadamente os gestos e atitudes exteriores do Outro, como um antropólogo ou psicólogo behavourista, para depois procurar o fundamento, o motivo, que sustenta esse mesmo comportamento, seja ele de origem cultural, individual, ou despoletado pela interacção social com determinado grupo.

Não se trata, por isso, de um romance autobiográfico mas antes de uma recriação da construção ficcional a partir de um dado real – um rosto ou um gesto a ele associado.

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O Autor relaciona, também, o tema da imortalidade com a falta de privacidade em relação às figuras públicas e com a avidez do homem comum que suga vampiricamente a vida privada das celebridades, em busca de escândalos que dêem algum colorido às suas vidas, também elas cinzentas. Da mesma forma, e obedecendo ao mesmo desejo de imortalidade, o jornalismo, na óptica de Kundera, perdeu um pouco de vista a sua primitiva função de informar, para se tornar numa forma de exercício de poder, transformando-se, na maior parte dos casos, numa disputa ou num combate entre entrevistador e entrevistado.
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É neste momento do romance que se observa a universalidade de gestos, dos comportamentos subjacentes às normas de conduta vigentes que se transmitem através dos séculos e que servem, muitas vezes, para mascarar emoções e esconder os impulsos e os verdadeiros motivos que estão por detrás de um gesto ou de uma frase (por exemplo, o quebrar de um par de óculos). E também o processo de atribuição de rótulos inadequados a uma dada figura pública que, ainda antes de se terem inventado os meios audiovisuais, já se colavam de forma indelével a uma dada personalidade distorcendo a sua imagem com um efeito de halo.
É também nesta fase do romance que Milan Kundera expõe a sua tipologia relativa aos diferentes tipos de imortalidade: pequena, grande, sublime, risível…e ainda a imortalidade associada aos homens de estado e, também, aquela que está directamente relacionada aos homens das artes, das letras e das ciências. Frisa, ainda, que a ideia de imortalidade está ligada à ideia da morte, de forma indissociável.
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Para o Autor só o talento e a inteligência são, na verdade, o único atributo merecedor da imortalidade. O único motivo válido para permanecer na memória colectiva.
Porque a imortalidade sem talento torna-se ridícula
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É preciso também que as massas se sintam mais próximas daqueles que se destacaram de entre os muitos milhões que nunca saíram do anonimato. Porque o lado humano e grotesco dos génios atenua a diferença. O móbil é sempre o mesmo. A imortalidade. Mesmo que conseguida à custa da desvalorização do inquestionável talento do Outro.
O mesmo se passa hoje em dia com a Comunicação Social, onde o jornalismo que, desde Oriana Fallaci, faz e desfaz reputações, constrói a imagem das figuras públicas. Para Milan Kundera a ideologia nos dias de hoje, foi substituída pela imagologia.
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No seu entender, à luz da cultura judaico-cristã, a paixão e o amor conjugal são incompatíveis e inconciliáveis na mesma pessoa.
Na altura a instituição da Igreja proibia o sexo fora do casamento e sendo este mesmo casamento o casamento, a cena final do romance, o sexo a ele associado tirava a magia ao desenvolvimento da trama.
Kundera vai ainda mais longe chegando, inclusive, a afirmar que, a história da literatura europeia, deixa de fora o casamento não para proteger os leitores do possível tédio matrimonial, mas para os protegerem do coito. É talvez por esta razão que, na mesma literatura europeia, o sexo (sempre em contexto extra-conjugal) vem quase sempre associado a algo de nefasto, acompanhado da tragédia, ou da ideia do Mal.
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A Imortalidade é um romance onde não há unidade de acção. O Autor quebra continuamente a intensidade dramática com as suas corrosivas reflexões pessoais que só enriquecem o romance, tornando-o apetecível. Um livro para ser saboreado frase a frase.
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por estados alterados:
Milan Kundera, em " A Imortalidade", chama a atenção para o gradual desaparecimento do pudor, ao longo do séc. XX. Para o autor checo, a palavra designa simplesmente o "cuidado em evitar o que queremos, sentindo-nos envergonhados por querer o que procuramos evitar". O grande romance do séc. XIX e primeira metade do seguinte perdeu um dos seus temas favoritos. E nós também.