22.6.08

Mulheres na linha do tempo: uma história


parte de um artigo:

A ''nova'' mulher: o estereótipo feminino representado na revista Nova/Cosmopolitan
The ''new'' woman: the feminine stereotype represented in Nova/Cosmopolitan


Nincia Ribas Borges Teixeira1
Maristela S. Valério2


Mulheres na linha do tempo: uma história

Analisando a história da humanidade, podemos perceber que as mulheres sempre ficaram em segundo plano. Quando se trata do relato da história, elas dificilmente aparecem. Foi somente a partir da década de setenta, junto com a eclosão dos movimentos feministas por todo o mundo, que alguns estudiosos começaram a perceber que as mulheres não apareciam nos estudos históricos. Iniciaram-se, então, correntes que procuraram recuperar a história da mulher dentro da sociedade. Mais tarde, esses estudos começaram a percorrer outras áreas das ciências humanas, como a literatura, por exemplo.

A história das mulheres mudou. Em seus objetos, em seus pontos de vista. Partiu de uma história do corpo e dos papéis desempenhados na vida privada para chegar a uma história das mulheres no espaço público da cidade, do trabalho, da política, da guerra, da criação. Partiu de uma história das mulheres vítimas para chegar a uma história das mulheres ativas, nas múltiplas interações que provocam a mudança (Perrot, 2007, p. 15).

A partir disso, foi possível perceber que papel da mulher, durante muito tempo, foi voltado apenas ao ambiente privado. Eram mães, esposas, filhas, que tinham sua importância relegada ao último plano. Cria-se, então, a imagem da mulher em dois opostos extremos, ao mesmo tempo em que são submissas, podem ser perigosas, pois qualquer ato mais ousado é uma forma de desafiar a ordem estabelecida dentro da sociedade patriarcal. Isso fica claro principalmente nas representações que a literatura faz das mulheres através dos séculos.

A história da literatura traz imagens contraditórias como as da Nossa Senhora, da mulher idealizada, da bruxa, da jovem inocente, da sedutora, da mãe dedicada ou da femme fatale. A diversidade das imagens estereotípicas, porém, se junta numa estrutura dualista: elas dividem o feminino numa forma idealizada e demoníaca. Até há pouco tempo atrás, a maioria das mulheres recebia uma educação voltada apenas para os afazeres domésticos, não tendo acesso à cultura e às informações. Não tinham direito ao voto e não podiam trabalhar fora de casa. Além disso, era preciso que se mantivesse casta, para isso sendo vigiada durante a vida toda, primeiramente pelo pai, e, mais tarde, pelo marido, na falta deste, pelos filhos. (Reisner, 1999. Disponível: www.quintocoiote.com).

A grande mudança veio com as I e II Guerra Mundial, com os maridos nas frentes de batalha, as mulheres precisaram tomar frente aos negócios e do sustento da casa. Com a consolidação do capitalismo, os direitos trabalhistas das mulheres foram revistos e estas passaram a disputar os postos de trabalho, antes exclusivos dos homens. Começou então a luta pelos direitos da mulher, de igualdade trabalhista, que mais tarde acabou abrangendo também outros campos.

Surge então um movimento denominado feminismo. O feminismo, segundo Branca Moreira Alves & Jaqueline Pitanguy (1985), traduz-se por um processo que teve suas raízes fincadas no passado e se construiu no cotidiano, sem ter um ponto determinado de chegada.

O feminismo busca repensar e recriar a identidade de um sexo sob uma ótica em que o indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades ‘femininas’ ou ‘masculinas’ sejam atributos do ser humano em sua globalidade (Alves e Pitanguy, 1985, p. 9).

As principais bandeiras levantadas pelas primeiras feministas eram a do trabalho e a do direito ao voto, por isso, elas foram chamadas de sufragistas. Embora pregassem a liberdade feminina, essa liberdade ficava apenas no setor público. Questões como a sexualidade ficaram de fora das discussões.

No Brasil da década de setenta, os brasileiros viviam o contexto da ditadura militar. Censura, repressão às manifestações populares e a qualquer possível crítica ao governo, faziam parte do dia-a-dia da sociedade setentista. Ao mesmo tempo, ocorria a consolidação do capitalismo, com o apoio dos militares ao investimento de capitais estrangeiros no país.

O movimento feminista da época mudava de foco. Alguns dos direitos femininos tão reivindicados já tinham sido atendidos, pelo menos na teoria. A mulher já podia votar, já tinha mais autonomia dentro das relações de trabalho e direito à educação. Isso se deu devido à abertura de novas vagas no mercado de trabalho, aumento das necessidades de consumo e das conquistas e reivindicações dos movimentos feministas internacionais. Mas a grande mudança que ainda não havia acontecido era na mente dessas mulheres. A grande luta nesse momento era contra a mentalidade tradicional, que ainda não estava acostumada com as “modernidades” femininas da época e ainda acreditava que as mulheres deviam ficar relegadas ao ambiente doméstico.

A década de 70 é considerada pelas feministas como de grandes vitórias e da chegada ao poder. As revistas femininas agiam nessa época como incentivadoras desse comportamento dito moderno. De acordo com Herbale (2004), estudos sobre revistas femininas mostram as contradições presentes em seu discurso, ora incentivam e apóiam atitudes progressistas e transgressoras das mulheres, ora sugerem restrições e punições para quem infringir as regras da sociedade.

No Brasil da década de setenta, em meio à mentalidade tradicional o país se modernizava. Novos costumes e idéias de liberdade eram apresentadas e recebidas com curiosidade e desconfiança. A revista Nova, então, agia como uma incentivadora das mulheres na conquista de sua liberdade, principalmente sexual e emocional. Para Lima (2003), “no torvelinho dessas mudanças, emerge, no Brasil, uma novidade no discurso dos periódicos destinados a mulheres de classe média: a otimização do trabalho fora das cercanias domésticas e o sexo prazeroso como assunto a ser tratado por elas.”

Da década de setenta até os dias atuais, muitas mudanças podem ser percebidas em relação às mulheres. Em apenas trinta anos, concretizaram-se conquistas que não foram obtidas durante séculos. A luta pela igualdade no trabalho já está estabelecida, pelo menos na teoria, há algum tempo. O número de mulheres nas universidades é cada vez maior. A luta pela liberdade sexual também não é mais uma preocupação das feministas. Ao contrário, o que preocupa as defensoras dos direitos femininos atualmente é a banalização da sexualidade feminina. Não se discute mais o direito da mulher em relação ao seu corpo, o que preocupa é a mulher ter se tornado um objeto em prol da publicidade.

Apesar da proliferação dos textos e imagens no murmúrio contínuo e inesgotável do cotidiano ocidental, a apropriação social do discurso se dá em diferentes instâncias discursivas, lugares de fala, posições de autoridade que legitimam ou excluem, delimitam ou expandem as hierarquias e os valores definidores de sentido e de lugares sociais, na Ordem do Discurso, na economia de um imaginário em que se pode detectar a hegemonia das representações tradicionais e naturalizadas de gênero (Swain, 2001. Disponível em: www.letras.ufrj.br).

Atualmente, não são mais os homens ou os valores sociais que oprimem as mulheres. A opressão se dá de outras formas, como as duplas jornadas de trabalho. Mulheres e homens continuam a assumir os lugares destinados a cada um dos sexos, no qual as mulheres voltam-se para a maternidade e para casa e os homens para o público e a vida social. De acordo com Maria Inês Ghilardi- Lucena (2002), a imagem da mulher tem se modificado com o passar do tempo, mas o ideal de domesticidade ainda permanece. Essa mulher tem agora a possibilidade de pedir ajuda ao homem nas tarefas diárias, mas sua responsabilidade só aumentou, pois tem que dar conta de seu papel tradicional e também do novo.

Além disso, a beleza, ideal desejada pelas mulheres em todas as épocas, impõe modelos de perfeição cada vez mais difíceis de serem alcançados. Os meios de comunicação e a publicidade são responsáveis por divulgar e impor esses modelos. A beleza não é mais natural, mas sim, algo que pode ser comprado.

Se a mulher tem que ser bela, deve ser principalmente para ter sempre ao seu lado um companheiro (namorado, marido, amante). Tradicionalmente, ela apenas tornava-se atraente para ser conquistada. Agora, ela é quem conquista, num jogo de sedução em que é possível ousar, mas nem sempre se convém. A imagem de moça comportada está dando lugar à de mulher liberada. De conquistada a conquistadora (Ghilardi- Lucena, 2002.).

As contradições percebidas na condição da mulher na atualidade podem ser percebidas quando analisamos a representação de sua imagem nos meios de comunicação. Ao mesmo tempo em que querem colocar a mulher como ser independente, livre das antigas amarras, acabam recaindo num discurso que prova que as mudanças talvez não tenham sido incorporadas como se pensa.

Para McRobbie (2003), isso demonstra sinais da presença do pós-feminismo, que implica a co-existência de valores neo-conservadores em relação a gênero, sexualidade e vida familiar, com processos de liberação em relação à escolha e à diversidade nas relações domésticas, sexuais e de parentesco. Também abarca a existência do feminismo como algo que foi em algum momento transformado em uma forma de senso comum gramsciano, enquanto também foi ferozmente repudiado, quase odiado (MCROBBIE, 2003) O ‘levar em conta’ permite uma ampla desconstrução das políticas feministas e o descrédito das manifestações ocasionais para sua renovação.